Por Roberio Sulz*
Denunciado como o maior crime ambiental dos tempos modernos, o consumo além do necessário vem sendo praticado impunemente por grande parte da população, especialmente no nicho dos privilegiados, detentores do conforto e das riquezas em nosso planeta.
A população planetária hoje ultrapassa sete bilhões de pessoas. Para manter-se a vida humana necessita-se de um planeta e meio em plena produção. Se essa tendência assim prosseguir, sem um “basta” à idiotia consumista universal, em 2050 os esperados nove bilhões de habitantes demandarão três planetas Terra para sobreviver.
Não é mais possível aceitar um mundo onde uma em cada sete pessoas passa fome e mais de 20 mil crianças com menos de cinco anos morrem todos os dias em consequência da fome. Enquanto isso, países ricos, por conta da chamada segurança alimentar, descartam anualmente de seus estoques, um bilhão e trezentos milhões de toneladas de alimentos. Sem exagero, isso representa um terço de toda a produção mundial de alimentos, mais que suficiente para alimentar a fração famélica do mundo.
Não há evidência mais contundente que esta para provar que a vaidade humana mantém um mundo socialmente injusto. Criminoso, para não fazer favor ao comedimento.
Urge uma forte guinada nessa situação. Quem sabe, uma eficaz conscientização universal que convença as pessoas de que a ganância não pode ser causa de prazer. Antes, bem refletida, deve ser motivo de arrependimento.
Viver simplesmente, dando férias aos exageros, não é nada difícil. Vale citar, a título de exemplo, pessoas que optaram por uma vida simples, resumida às necessidades básicas, como Gautama Buddha, São Francisco de Assis, Mahatma Gandhi e outros. São alguns da extensa lista dos admirados ascetas, isto é, gente que pratica a vida simples por motivação espiritual ou religiosa. Esse estilo de vida foi considerado por Max Webber como ascetismo “fora do mundo” (ausserweltliche). Ou seja: seus praticantes optam por viver noutro mundo, diferente do que vivem. Em contraposição, Webber cita o ascetismo “dentro do mundo” (innerweltliche), que mais se identifica com um estilo de vida moderna, porém regrada e permeável à integração com o mundo real, suas variações e suas idiossincrasias.
A preocupação não está, pois, no consumo, mas no consumismo exacerbado, na crescente pressão pela produção de bens supérfluos, no gosto pela ostentação do acúmulo, na vaidade pessoal, no descaso com o desperdício e na ameaça de um fim de mundo mais precoce que o bíblico. Por sorte, já se notam, mundo afora, louváveis reações mais afeitas à conservação ambiental e à edificação de um mundo sustentável e duradouro. A sustentabilidade não é mais um obscurantismo. É uma respeitável consciência, a cada dia, mais entendida e internalizada como filosofia de vida.
Nessa linha da sustentabilidade, surgiu, pelas mãos de Duane Elgin, a sugestiva formatação de um novo estilo de vida, intitulado “simplicidade voluntária”.
Não se trata de praticar a pobreza, esta infelizmente impositiva. Nem renunciar em termos absolutos ao conforto da vida moderna, este felizmente optativo. A simplicidade voluntária parece ser a melhor saída para edificar-se um mundo sustentável e socialmente mais justo, sem violentar costumes nem tradições. Trata-se de uma opção de vida que nada condena, mas recomenda enfaticamente refrear o consumo exagerado. Pode-se começar com discretas atitudes e pequenos ganhos até incorporar outras e se chegar ao ponto de ser feliz, simplesmente sendo simples.
A simplicidade voluntária é um estilo de vida do tipo “downshifting”, que implica em simplificação de hábitos para evitar desperdícios. Traz ainda como vantagem a redução drástica do custo de vida pessoal e considerável incremento no prazer de viver.
Pode ser exercitada com questionamentos. Por exemplo: por que comprar uma furadeira de parede, para mantê-la ociosa por anos a fio? Por que comprar um caro casaco de frio, morando num lugar onde só faz calor? Por que possuir dois automóveis, se só uma pessoa da família sabe dirigir? Por que comprar um aparelho de TV para um cômodo ocioso da casa? Aparelhos de TV, celulares, computadores e outros eletrônicos demandam consideráveis quantidades de recursos naturais renováveis e não renováveis, que devem ser poupados em nome de um mundo melhor e mais longevo.
A gastança de recursos pessoais para o nada só para satisfazer vaidades pessoais, é um irracional desperdício. Em certos casos, o cidadão trabalha mais para ganhar mais e terminar “jogando (esforço) dinheiro fora”. E mais: consumindo ociosidades e contribuindo para o esgotamento de recursos naturais.
Urge resistir ao modismo, à propaganda consumista, para se tornar cidadão comprometido com o futuro de nosso planeta. E, com certeza, para não se antecipar o apocalipse.
Roberio Sulz é biólogo, biomédico e professor com licenciatura plena em Ciências biológicas (UnB), MSc. (University of Wisconsin, USA). Membro Correspondente da ALAS – Academia
Excelente texto! Faz algum tempo que escolhi ter uma vida mais simples , ter consciência tranquila e em paz com o planeta. Osho diz que o homem que tem poucas necessidades vive melhor e é mais feliz.