“É um mês feliz”, diz a baiana de acarajé Kátia Nascimento, de 43 anos, se referindo ao aumento nas vendas de caruru no mês de setembro, quando são realizados os festejos em homenagem a São Cosme e São Damião. Os santos são oficialmente celebrados nesta quarta-feira (27).
Kátia comanda com outras duas irmãs, em Salvador, o Coisas da Bahia, que fornece encomendas de comidas típicas baianas. Em um único evento, para cerca de 50 pessoas, fatura mais de R$ 1,7 mil.
A baiana conta que o aumento da demanda pelo caruru já começa em agosto, mas destaca que é em setembro que os pedidos se intensificam. Neste ano, relata um avanço de 80% nos pedidos nesse período.
“Durante o ano, quase não tem saída de caruru, é mais acarajé, feijoada, sarapatel. Em agosto agora eu já tive cinco encomendas de caruru, e em setembro a média é de oito a 10”, diz a baiana, destacando que já fechou nove encomendas para este mês.
A baiana de acarajé explica que o preço do caruru depende da quantidade de pessoas que o cliente espera receber. “Sai R$ 25 por pessoa, e a refeição vai completa: caruru, vatapá, xinxim de galinha, feijão fradinho, feijão preto, banana frita, farofa, acarajé e abará. Além disso, se for evento, fazemos a decoração, montamos a mesa e as meninas vão caracterizadas para servir”, diz Kátia, destacando que, em caso de evento para a partir de 100 pessoas, o cliente pode negociar um valor individual menor.
Dra. Caruru
A demanda pelo caruru é tão grande que até quem divide o tempo entre o ofício de quituteira e outra profissão se organiza para priorizar o caruru no mês de setembro. É o caso da advogada trabalhista Denise Phiton, que também responde pela alcunha de Dra. Caruru.
Denise confirma o que Kátia disse: quando chega setembro, as encomendas de caruru se multiplicam. “Crescem 200%”, afirma. A advogada conta que, para atender à demanda da festa de São Cosme e São Damião, ela não agendou nenhuma audiência para esta semana. “Essa semana eu não desço para o fórum”.
Além de fornecer encomendas para eventos, Denise também vende refeições congeladas. No cardápio dela, além do caruru, tem vatapá, xinxim, feijão fradinho, moqueca de peixe e de camarão, entre outras delícias.
A advogada diz que, para eventos, o caruru sai R$ 35 por pessoa e vai com vatapá, feijão fradinho, xinxim, farofa, arroz e banana frita. Quando a encomenda é do pote de meio quilo congelado, o caruru sai por R$ 30, mas não vai com os acompanhamentos.
Ela explica que começou a vender comida baiana há três anos. “Todo Dia de São Cosme e Damião e de Santa Bárbara, eu fazia um caruru lá em casa, e as pessoas adoravam e perguntavam se eu fazia para vender. Eu falava que elas podiam fazer uma quentinha e levar para casa, mas elas ficavam com vergonha. Então eu resolvi começar com as ecomendas”, conta Denise.
Costume
Como é tradicional no sincretismo baiano, no candomblé, São Cosme e São Damião são equiparados aos Ibejis, divindades africanas que também são gêmeas.
Pela forte presença negra na cultura baiana, a festa originalmente católica é mais uma que congrega às missas e aos cortejos elementos de raízes africanas, a exemplo da oferta do caruru de Ibeji, chamado popularmente de “caruru de São Cosme e Damião”, doado nas ruas geralmente como pagamento de promessas alcançadas.
São Cosme e São Damião nasceram na Arábia, no século III. Cristãos de família abastada, os dois irmãos gêmeos estudaram medicina e trataram os enfermos da região da Cilícia, onde hoje está a Turquia.
O religioso conta que eles começaram a ganhar reconhecimento na região, entre os cristãos e entre os pagãos, o que causou preocupação por parte do imperador da época, que era romano e cultuava deuses não cristãos.
Na época, os irmãos Cosme e Damião foram levados ao imperador, que os obrigou a adorar os deuses pagãos. Eles se recusaram, por serem cristãos e difundirem a palavra do Senhor, e foram martirizados por terem representado um perigo aos pagãos.
Por conta do episódio, a fama dos irmãos já estava tão grande que a eles foram atribuídos milagres de pessoas curadas de enfermidades, o que fez, no século VI, quando já canonizados, que a igreja construísse a basílica de Cosme e Damião, próxima ao Coliseu de Roma. No Brasil, o culto aos santos veio com os portugueses durante a colonização.
Segundo o padre, o sincretismo começou ainda na época da colonização, quando os escravos eram obrigados a seguir a religião católica. Eles olhavam para as imagens de santos católicos, mas, na verdade, estavam cultuando seus santos e orixás.