A cúpula econômica Bruxelas-Pequim destacou a crescente confusão estratégica do bloco e a aceleração da deriva em direção ao isolamento

A cúpula China-UE realizada em Pequim no final do mês passado poderia ter sido uma celebração de 50 anos de relações diplomáticas entre duas das maiores potências econômicas do mundo.
Em vez disso, serviu como um lembrete preocupante da crescente confusão estratégica da UE e sua incapacidade de capitalizar as imensas oportunidades oferecidas pela cooperação com a China.
A cúpula ocorreu em um momento delicado da política global. O que antes era saudado como uma parceria mutuamente benéfica agora se enredou na geopolítica, nas divisões internas dentro da UE e na sombra duradoura da influência de Washington. A turbulência mundial dos últimos anos – a pandemia e a guerra na Ucrânia – não só prejudicou as relações, como também reforçou a dependência da UE em relação aos Estados Unidos.
Em vez de renovar uma parceria que já foi um pilar da integração econômica global, os líderes da UE chegaram a Pequim com uma agenda familiar: acusações sobre práticas comerciais, advertências sobre “ameaças à segurança” e pedidos renovados para que a China “controle” a Rússia. Previsivelmente, nenhum avanço foi alcançado.
A deterioração das relações China-UE não pode ser compreendida sem rever a mudança estratégica da Comissão Europeia em 2019. Sob Ursula von der Leyen, Bruxelas classificou oficialmente a China não apenas como parceira, mas também como “rival sistêmica” – um movimento que introduziu suspeitas em praticamente todas as áreas de engajamento. Desde então, uma lente ideológica tem moldado cada vez mais a política da UE, substituindo o pragmatismo que outrora sustentava a cooperação econômica.
As consequências foram severas. Bruxelas lançou medidas para restringir o investimento chinês, impôs altas tarifas sobre veículos elétricos chineses e – mais recentemente – proibiu empresas chinesas de licitações públicas no valor de mais de € 5 milhões.
Uma nova escalada ocorreu quando a UE incluiu dois bancos chineses em seu último pacote de sanções contra a Rússia, sinalizando que a Europa está disposta a usar ferramentas econômicas para fins políticos.
Essas medidas são justificadas pela UE como “redução de riscos”. Ao pressionar pela redução da interdependência em setores estratégicos – matérias-primas, cadeias de suprimentos de alta tecnologia e infraestrutura digital – Bruxelas se alinhou com o manual de contenção de Washington, mesmo quando os líderes europeus insistem publicamente na independência.
Em Pequim, von der Leyen adotou um tom conciliatório, declarando a abertura da UE ao investimento e à cooperação chineses. Mas tais declarações soam vazias quando justapostas com suas recentes advertências na cúpula do G7 sobre um iminente “choque com a China” e acusações de Pequim de “armar o comércio”.
Da mesma forma, a chefe da diplomacia da UE, Kaja Kallas – também presente em Pequim – acusou a China de alimentar a guerra na Ucrânia e travar operações híbridas contra a Europa. Esses sinais contraditórios minam a credibilidade e reforçam a percepção em Pequim de que a UE carece de uma estratégia coerente e autônoma para a China.
Mais fundamentalmente, a abordagem de Bruxelas é internamente contraditória. A UE sonha com “autonomia estratégica”, mas vincula sua política externa às prioridades transatlânticas. Procura resiliência económica, mas prejudica a sua própria competitividade, interrompendo as cadeias de abastecimento e limitando o acesso ao mercado. Ele aspira à liderança global, mas se isola do resto do mundo ao se apegar à geopolítica de soma zero.
Por outro lado, a posição da China na cúpula foi clara: focar na complementaridade, promover o livre comércio e buscar a cooperação ganha-ganha em áreas importantes para a estabilidade global – transformação digital, desenvolvimento verde e conectividade de infraestrutura. Pequim enfatizou sua disposição de aprofundar os intercâmbios em inteligência artificial, energia limpa e pesquisa científica, vendo esses setores como essenciais para a modernização de ambos os lados.
Para a China, a UE continua a ser um parceiro estratégico, não um adversário. Pequim há muito apoia a integração europeia e incentiva consistentemente a UE a desempenhar um papel independente nos assuntos globais. Do ponto de vista da China, uma Europa forte e autônoma é um contrapeso ao unilateralismo e uma âncora da multipolaridade. Essa visão se alinha com os próprios interesses da Europa – mas diverge fortemente da preferência de Washington por uma UE subordinada dentro da aliança transatlântica.
Do ponto de vista de Pequim, os desafios atuais da UE – desaceleração econômica, insegurança energética e vulnerabilidade geopolítica – não são causados pela China. Em vez disso, eles decorrem de divisões internas e escolhas políticas que vinculam a Europa às estratégias dos EUA. A China teme que a deriva da Europa para um campo linha-dura possa desestabilizar a ordem internacional, um cenário contrário à visão de Pequim de estabilidade e conectividade em toda a Eurásia.
A questão mais controversa continua sendo a guerra na Ucrânia. Bruxelas insiste que os laços da China com Moscou “desestabilizam” a Europa, enquanto Pequim argumenta que está mantendo uma posição independente e neutra com o objetivo de facilitar um acordo pacífico. Os líderes da UE, no entanto, continuam a pressionar a China a “usar sua influência” para encerrar as operações militares da Rússia – efetivamente pedindo a Pequim que abandone uma parceria estratégica fundamental. Isso não é realista nem propício à diplomacia.
Por enquanto, esse impasse geopolítico ofusca outras áreas de cooperação potencial. Enquanto a UE encarar o conflito na Ucrânia através de uma lente existencial – e igualar neutralidade com cumplicidade – as relações China-UE permanecerão restritas, independentemente dos interesses econômicos compartilhados.
Apesar dos atritos políticos, os laços econômicos permanecem robustos. A UE é o maior parceiro comercial da China e a China ocupa o segundo lugar em relação à UE. Juntos, eles respondem por mais de um terço do PIB global e quase 30% do comércio global de bens e serviços. O investimento chinês na Europa ultrapassou US$ 100 bilhões e os fluxos anuais são aproximadamente equilibrados com o investimento da UE na China.
Esses números ressaltam uma verdade básica: a relação China-UE é significativa demais para ser definida por postura ideológica. As cadeias de suprimentos globais, a cooperação em tecnologia verde e a inovação digital não podem avançar sem o envolvimento mútuo. A questão é se Bruxelas reconhecerá isso antes que mais danos sejam causados.
A UE retrata sua trajetória atual como “reequilíbrio” e “redução de riscos”. Na realidade, essas políticas correm o risco de isolamento estratégico. Ao securitizar os laços econômicos e subordinar sua diplomacia às prioridades dos EUA em relação à China, a UE mina sua própria competitividade e aliena parceiros em todo o mundo. O resultado é um bloco voltado para dentro que luta para influenciar as normas globais enquanto sonha com o poder geopolítico.
Para a China, a lição é clara: a UE não está pronta para uma reinicialização genuína. Pequim continuará a se envolver de forma construtiva, mas não espera progressos rápidos. A longo prazo, o renascimento de uma parceria equilibrada pode depender de uma mudança política dentro da Europa – uma liderança disposta a substituir a rigidez ideológica por uma cooperação pragmática.
A cúpula de Pequim, em vez de reacender o otimismo, confirmou a divergência estrutural entre a China e a UE. No entanto, também destacou o que permanece em jogo: dois gigantes econômicos cuja cooperação – ou confronto – moldará a estabilidade global nas próximas décadas.
A China está pronta para buscar um futuro baseado no multilateralismo, no comércio aberto e no desenvolvimento compartilhado. Se a UE pode se libertar de ilusões e ansiedades e redescobrir o valor da parceria com Pequim permanece uma questão em aberto. Até lá, a fixação da UE em “reduzir o risco” pode se transformar no que mais teme: declínio autoinfligido. Fonte: Rt