Precisamos falar de vacina contra o Covid e álcool. Não, devoto, não tem problema nenhum ser imunizado e celebrar, com moderação, com uma tacinha de cachaça. Vamos aos fatos.
A vacinação contra a Covid-19 é alvo constante de boatos e fake news. Não é surpresa. Todo programa de imunização é afetado por essas correntes do mal. Em 2018, o ritmo da vacinação contra a febre amarela chegou a ser atrasado por conta de boatos que ligavam, sem qualquer fundamento, o uso do imunizante ao aumento de casos de autismo ou a um “controle demográfico” por parte de autoridades nacionais ou internacionais. O combate contra essas fake news foi árduo.
No radar de fake news, ganhou corpo no mês passado a notícia de que alérgicos, em especial a ovo e a leite, não deveriam se vacinar. Os fabricantes tiveram que vir a público para negar o boato.
Agora, correm informações no ritmo dos dedos nervosos dos WhatsApps da vida de que a ingestão de álcool poderia “cortar o efeito da vacina” ou provocar efeitos colaterais.
Não há qualquer indicação nesse sentido. Com a palavra, a Fiocruz, que produz no Brasil as vacinas da Oxford/AstraZeneca.
“Atualmente, não há evidências de que o consumo de álcool interfira na eficácia das vacinas Covid-19. A vacinação é considerada uma importante oportunidade para incentivar comportamentos positivos em relação à saúde da população.”
As fake news são “criações” que podem nascer de um espírito vaidoso e irresponsável ou, o que é mais comum, de interesses pessoais ou de grupo que lançam mão de qualquer arma para fazer valer suas crenças mesmo contra a realidade dos fatos. Elas se espalham por pessoas dispostas a acreditar, já que aquela notícia vai ao encontro de suas crenças. Dessa forma, elas abraçam a informação como verdadeira e a transmitem.
Em questões como segurança e saúde, isso custa vidas – pessoas acusadas injustamente de crimes que acabam linchadas ou gente que, por desenvolver suspeitas a respeito das vacinas, não se imuniza e acaba contaminada.
Mas quem transmite as fake news não se sente culpado. Acha que a culpa é apenas de quem lhe enviou.
Vacina contra a Covid e álcool: sem contraindicação
Voltando à questão “vacina contra a Covid e álcool”. Uma entidade filipina publicou no início do ano a recomendação de evitar o uso excessivo de álcool após a imunização. Uma associação de combate ao alcoolismo britânica também recomendou evitar o consumo de álcool nos dois dias anteriores e nas duas semanas posteriores à vacinação.
Em ambos os casos, portanto, o foco é no consumo abusivo, que, como sabemos, reduz a proteção imunológica, que é tudo que não queremos quando o vírus circula entre nós.
Uma reportagem do Globo noticiou nesse domingo que em Belém (PA), uma profissional de saúde recomendou a um senhor, ao aplicar a vacina, que se abstivesse de álcool por 30 dias. Ouviu como resposta: “Égua! Tira de volta!”.
A Prefeitura de Belém confirmou a recomendação de abstinência por 24 a 48 horas, o que é recomendado também pela Prefeitura de Fortaleza.
No entanto, não há qualquer contraindicação para o consumo de álcool por parte dos produtores das vacinas usadas no Brasil, confirma a Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm).
A SBIm acredita que informações falsas como essas têm alguma parte da culpa pelo não comparecimento de 1,5 milhão de pessoas para receber a segunda dose da vacina e ressalta que o país não conseguiu fazer o treinamento adequado do pessoal envolvido com a vacinação.
A informação de que a vacina teria menor efeito com o consumo de álcool é classificada claramente pela associação como “mito”.
“Nenhuma vacina, incluindo as para prevenir a COVID-19, contraindica o consumo de bebidas alcoólicas ou exige precauções. Não há qualquer interferência na resposta imunológica ou aumento do risco de eventos adversos”, afirma a SBIm.
“Apesar disso”, prossegue a nota da SBIm, “é importante ressaltar que o uso crônico e abusivo de álcool pode enfraquecer o sistema imunológico, aumentar o risco de infecções por vírus e bactérias, além de trazer diversos outros prejuízos à saúde e à vida”.
Mais uma vez, a restrição é ao uso crônico. Para entender o que é uso crônico e abusivo de álcool, leia esse post.
Portanto, vacinem e repitam a dose. Para comemorar, bebam uma taça de cachaça e repitam a dose. Mas, duas doses, em ambos os casos, é o suficiente.
Em tempo: Zeca Pagodinho ilustra o post primeiramente porque é coautor, ,com Wilson Moreira, do samba rural Moenda Velha.
Moenda velha
no engenho novo
Bota o caldo de cana,
pinga boa pra esse povo
Cachaça pura, aguardente,
bebida da nossa gente
Segundo porque, ao se vacinar, além de cantarolar uma versão de um de seus sucessos: “Vai vacinar! Vai Vacinar!”, ainda saudou via redes sociais: Viva o SUS!! Viva a vacina!”. Por Dirley Fernandes / Devotos da Cachaça