Por Henrique Matthiesen*
Nada mais grandioso e sublime do que o filho mais ilustre de Bom Jardim, no interior pernambucano: Francisco Julião Arruda de Paula. Nascido em 16 de fevereiro de 1915, era descendente de Adauto Barbosa de Paula e Maria Lídia Arruda de Paula. Figura que ultrapassa a existência física, Julião transborda intensamente sua vivência para se converter em símbolo, legado e referência digna de tributo e admiração.
Ao recordarmos seus 110 anos de nascimento, torna-se essencial refletir sobre algumas de suas características marcantes, sobretudo em tempos de leviandade, mediocridade e fanfarronice.
Advogado, deputado estadual, deputado federal, líder das Ligas Camponesas (embora não tenha sido seu fundador) e escritor, Julião tornou-se a voz mais expressiva na luta pela reforma agrária, pela “ninguendade” – segundo a definição antropológica de Darcy Ribeiro – e pelo povo do cambão.
Homem de convicções inabaláveis moldou-se de tal forma que se transformou na síntese do embate pela terra e pela justiça social. Compreendeu a dinâmica da luta de classes, a opressão e a escravidão repulsiva – impostas pelo latifúndio em sua totalidade – e se fez resistência: o grito, dos silenciados e humilhados por uma ordem social arcaica, injusta e desumana.
Épico e persuasivo, rompeu as barreiras da miséria que assolavam o homem do campo, explorado e marginalizado e ergueu sua voz. Converteu as Ligas Camponesas em uma questão de relevância nacional e internacional, a tal ponto que, até mesmo o imperialismo ianque e seus aparelhos de intervenção, passaram a vigiar Francisco Julião e o movimento camponês com rigor.
Temiam a revolução rural. Temiam os deserdados. Temiam a justiça social. Temiam a emancipação popular. Temiam a reforma agrária.
Um dos pretextos para o golpe cívico-militar de 1964 foi justamente o receio da redistribuição de terras, da influência de Julião e da força das Ligas Camponesas.
Julião distinguia-se pelo seu lirismo. Orador excepcional, falava com a alma, tinha na força argumentativa sua principal arma. Conhecia a linguagem do povo, cativava, emocionava, convencia e liderava. Sua trajetória foi marcada pela dramaticidade de suas escolhas. Pagou o preço da perseguição, da incompreensão, da prisão e do exílio.
Entretanto, sua biografia, sua causa e sua luta transcenderam sua existência terrena. Julião, hoje, é um ícone, um líder reverenciado, estudado e admirado. As Ligas Camponesas compõem algumas das páginas mais fecundas da história da brasilidade, da afirmação do povo e da incansável busca por justiça social e reforma agrária. *Henrique Matthiesen é Formado em Direito e Pós-Graduado em Sociologia.