UFSB CIÊNCIA: A Sociofísica explicada com leveza

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capa categoria ciência blogA Sociofísica, um dos ramos mais recentes do campo da Física, é essencialmente interdisciplinar. A partir da base da Física Estatística e empregando dilemas sociais (no sentido usado em Teoria dos Jogos, dilemas sociais são situações nas quais interesses individuais conflitam com o interesse coletivo), dentre outros subsídios, os pesquisadores lançam mão de várias ferramentas para estudar fenômenos variados, tais como os comportamentos eleitorais em diferentes países, movimento  dos corpos em um show de música, padrões de trânsito urbano e disseminação de doenças, para ficar em alguns exemplos. A ideia de investigar aspectos como competição e cooperação via simulação por computador com subsídios de muitas áreas rende trabalhos sobre questões atuais e intrigantes, como a pesquisa que abordou a difusão de notícias falsas como uma infecção zumbi. Se a linguagem científica é uma barreira para a difusão dessas informações, esforços de popularização como os posts de Ciência do blog Ornitorrinco Curioso, mantido pelo professor Marco Antônio Amaral, do Campus Paulo Freire, ajudam a reduzir essa dificuldade, com textos bem humorados e acessíveis.

Criado em 2008, o blog pessoal com o tempo foi transformado em uma experiência de popularização de ciência. Dentre os posts dedicados à explicação de conceitos e estudos acadêmicos, o professor Marco Antônio expõe sua própria produção científica em linguagem acessível, sintetizando os temas de estudo, os métodos empregados e os resultados encontrados. É o caso do artigo citado acima e de outros papers publicados por ele em parceria com outros pesquisadores.

Em um exemplo, o artigo Cooperation in two-dimensional mixed games rendeu um post para explicar o estudo. A simulação modelada pelos autores permitiu investigar a evolução de um sistema no qual os indivíduos interagem de acordo com dois jogos mistos (o “dilema do prisioneiro” e o “jogo da galinha” ou “snowdrift”), definidos aleatoriamente a cada interação. Essa simulação incluiu a variável da diversidade de percepções de ganho e de risco, algo perceptível no cotidiano. Como o professor Marco Antônio exemplificou no post: “É a antiga questão, o dono de uma Ferrari será muito mais avesso a riscos no trânsito do que o dono de um Uninho 97”. Dentre os achados, os autores concluíram que quanto mais distintas sejam as percepções de ganho e risco dos jogadores, mais aumenta a cooperação entre eles.

Os resultados inspiraram nova investigação, que resultou no artigo Evolutionary mixed games in structured populations: Cooperation and the benefits of heterogeneity. Em um sistema no qual os incentivos para a cooperação e para a competição são iguais, com dois jogos mistos, e no qual os participantes têm percepções diferentes, a cooperação aumenta com a diversidade, corroborando o artigo anterior. Mesmo com diferentes configurações de redes e populações, a simulação comprovou matematicamente a tendência à ajuda mútua a partir da reciprocidade na rede e da diversidade. Ainda que a heterogeneidade de jogos permita que cooperadores e egoístas ganhem algo, só os primeiros chegam a obter ganhos a longo prazo. No post sobre o paper, o professor Marco Antônio afirma que a pesquisa revelou não apenas a capacidade do método em obter resultados não-intuitivos a partir da simulação matemática de um contexto social, como mostrou uma estratégia a mais para a compreensão das interações humanas, ao lado de pesquisas qualitativas. Em termos simples, quem se ajuda forma redes mais estáveis de relações e ganha a longo prazo, enquanto quem “passa a perna” em outrem ganha mais no curto prazo, mas tende a se isolar e a ver o lucro diminuído se mais jogadores imitarem o seu comportamento egoísta.

O professor Marco Antônio fala sobre a experiência de blogar sobre ciência e Sociofísica.

ACS – A atitude de blogar a respeito de ciência, e em especial, da área de expertise e das pesquisas realizadas não é comum (infelizmente). Como você decidiu postar a respeito?

Marco Antônio Amaral – De fato, é extremamente raro (e em alguns círculos, até malvisto) que um cientista faça divulgação científica. O que é um absurdo completo. Se existe algo de que precisamos desesperadamente é de maior divulgação da ciência e diálogo entre a academia e a sociedade. Infelizmente, a ciência tem um terrível histórico de se isolar do mundo e ficar em sua torre de marfim, sem querer explicar ao público os motivos de sua pesquisa, ou o que tal pesquisa pode gerar de benefícios para a humanidade no dia a dia. O que me fez decidir isso foi basicamente esse sentimento. Na verdade, apesar de manter atualizado semanalmente desde 2014, eu tenho esse blog desde 2008, pouco depois de ingressar na graduação em Física. E foi justamente durante a graduação que eu notei um problema enorme na divulgação. Sempre que conversava com meus colegas sobre buracos negros, big bang, física quântica e coisas mais interessantes, a atitude sempre era a mesma “a gente ainda não é físico formado, vamos esperar até o mestrado para sabermos discutir isso”. Porém, entrando no mestrado a atitude continuava a mesma, jogando a “responsabilidade” por divulgar e falar de ciência somente para quem tivesse doutorado. E assim por diante. Eu notei justamente que, na verdade, em todos os níveis acadêmicos, o pessoal sempre vai ter uma desculpa para não falar de ciência casualmente, e foi isso o que mais me motivou a começar o blog. Ninguém precisa ser professor, ou ter doutorado ou mestrado para divulgar ciência de maneira casual. É claro que quando você não conhece um tema, tem que procurar em fontes que tenham respaldo, e isso é central. Mas você não precisa esperar se tornar professor para conversar num boteco sobre vida fora da terra, distorções temporais devido a um buraco negro ou sobre ondas gravitacionais. Em minha opinião, ciência é uma coisa fascinante, e devia ser conversada tanto quanto se conversa sobre futebol.

ACS – Que preocupações lhe ocorrem quando vai escrever sobre Sociofísica?

Marco Antônio Amaral – Sobre as preocupação quanto à Sociofísica, essa é uma área extremamente recente, de fronteira e interdisciplinar. Ou seja, é uma receita pronta para atrair críticas de pessoas tradicionalistas. Mas isso acontece com qualquer área interdisciplinar. Pessoas mais focadas em Sociologia, Antropologia e Psicologia podem surgir com diversas críticas quanto a “ser impossível” tentar reduzir o ser humano a números. Mas isso não é o único lado. Da mesma forma, essa área já encontrou fortes barreiras na própria comunidade de Física, Matemática e Química, na qual pesquisadores mais tradicionalistas consideram que esse tipo de área não é “pura” no contexto de ciências básicas. Essa é uma crítica que eu vi ser feita não somente no meu doutorado, mas até no doutorado dos meus co-orientadores, e mostra como a ciência pode ser muito inerte e se recusar a ver novas áreas. A questão é que toda área inovadora passa por isso, e não é uma questão de quem vai dizer o que é ou não ciência. É uma questão de os experimentos mostrarem se determinada abordagem gera os resultados previstos ou não. E hoje em dia toda a área de Teoria dos Jogos Evolucionária (seja utilizando-se de Física, de Química ou de Biologia) tem se provado uma ferramenta matemática absurdamente eficiente em modelar, prever e descobrir novos fenômenos. Temos hoje cotidianamente artigos dessa área sendo publicados na Nature e Science, mostrando novas abordagens que utilizam teoria dos jogos para entender melhor desde como a cooperação entre células é quebrada gerando o câncer (Revista Nature), passando por entendimento de decisões sociais e até mesmo sua utilização para criar melhores sistemas de segurança em aeroportos (como mostra esse vídeo extremamente didático e ilustrativo). No fundo, o que temos é uma ferramenta matemática extremamente poderosa, que está sendo melhor descoberta para analisar situações de conflito, sejam estes entre países em guerra, seja entre colônias de formigas. E isso é fascinante!

Blogar sobre as pesquisas lhe ajudou/ ajuda em aspectos da sua atividade de docente e pesquisador? Quais e de que formas?

Marco Antônio Amaral – Com certeza. O ato de me manter escrevendo textos de divulgação me ajudou muito tanto nos aspectos profissionais quanto pessoais. Um dos motivos de ter começado o blog foi justamente para treinar minha escrita (no futuro distante, ainda pretendo escrever de maneira mais voltada a literatura). E de fato, me manter escrevendo até que a coisa se torne cotidiana me ajudou muito a entender como me expressar melhor, como passar ideias complexas a frente utilizando metáforas e mesmo como entender a divulgação científica mais aprofundadamente. É por isso que eu sempre insisto para meus alunos escreverem, fazerem blogs, divulgarem suas paixões, seja lá quais forem. O mundo não precisa de dez Carl Sagans divulgando ciência de maneira impecável, o mundo precisa de um milhão de blogs casuais e amadores de ciência falando das maravilhas que vivenciamos todos os dias! Escrito por Heleno Rocha Nazário / Ascom UFSB