Em meio a uma crise aguda na segurança pública, com massacre que deixou 120 mortos, a Corte Eleitoral decide sobre inelegibilidade de governador e presidente da Alerj por suspeitas de abuso de poder
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) marcou para a próxima terça-feira, 4 de novembro, o julgamento de duas ações que investigam suposto abuso de poder político e econômico nas eleições de 2022, capazes de tornar inelegível o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União Brasil).
Absolvidos pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) em maio de 2024, os políticos recorreram ao pedido do Ministério Público Eleitoral (MP Eleitoral), que insiste na cassação dos mandatos. As defesas de ambos negam veementemente as acusações, apontando falta de provas concretas.
O processo, relatado pela ministra Isabel Gallotti — que encerra sua passagem pelo TSE em 21 de novembro —, conta com a participação da presidente da Corte, Cármen Lúcia, e dos ministros Nunes Marques, André Mendonça, Antonio Carlos Ferreira, Floriano de Azevedo Marques e Estela Aranha. A suspeita central recai sobre a contratação irregular de funcionários pelo Centro Estadual de Produção de Ensino e Pesquisa (Ceperj), que teriam atuado como cabos eleitorais em prol de Castro durante a campanha para governador. O MP Eleitoral argumenta que tais contratações configuram desvio de finalidade e uso indevido de recursos públicos para fins eleitorais.
Caso a condenação se confirme, o impacto seria imediato na linha sucessória fluminense: o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), desembargador Ricardo Couto de Castro, assumiria o governo interinamente até eleições suplementares. A legislação prevê duas hipóteses para o pleito de reposição: eleição direta em até 40 dias, se a cassação ocorrer com mais de seis meses antes do fim do mandato; ou eleição indireta, pela Alerj, se for a menos de seis meses. No entanto, há controvérsia entre o Código Eleitoral federal — que prioriza o voto direto — e a Constituição Estadual do Rio, que defende a votação indireta. Precedentes do TSE indicam prevalência do Código Eleitoral, como em casos semelhantes envolvendo outros governadores.
Essa decisão não só bagunçaria o calendário eleitoral como mexeria nos tabuleiros políticos para 2026. Castro, que sonha com uma vaga no Senado, veria seus planos seriamente comprometidos. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD) — líder em pesquisas recentes para o Palácio Guanabara —, poderia se beneficiar de um cenário de desorganização opositora, embora precisasse renunciar ao cargo municipal para disputar um eventual pleito antecipado. Uma vitória em eleição suplementar o limitaria a um mandato curto, seguido de reeleição em outubro, totalizando menos de oito anos no governo estadual. Já para legislativos, como o senador Flávio Bolsonaro (PL), que mira a reeleição estratégica para o bolsonarismo, não haveria necessidade de renúncia prévia. O clã Bolsonaro, aliás, distanciou-se de Bacellar após a demissão do secretário de Transportes, Washington Reis (MDB), aliado familiar.
O julgamento ganha contornos ainda mais tensos em meio à crise na segurança pública do estado. Nesta terça-feira, 28 de outubro, uma megaoperação policial contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio, resultou em 119 mortes — 115 suspeitos e civis, além de quatro policiais (dois civis e dois do BOPE). Considerada a mais letal da história brasileira, superando o massacre do Carandiru (111 mortos em 1992), a ação apreendeu 118 fuzis e prendeu 81 criminosos, segundo o governo estadual. No entanto, moradores denunciam execuções sumárias, torturas e o recolhimento de dezenas de corpos em matas pela comunidade, elevando temores de chacina. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) anunciou investigação paralela em cada morte, atendendo a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF das Favelas.
O ministro Alexandre de Moraes (STF), atendendo ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), determinou que Castro preste esclarecimentos detalhados sobre a operação, incluindo relatórios, perícias e dados operacionais, sob pena de responsabilização. Reações políticas e sociais dividem o debate: o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) criticou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por não se solidarizar com os policiais mortos, chamando-o de “canalha perverso” em postagem nas redes sociais. Enquanto apoiadores do governo estadual celebram a “maior operação da história do Rio”, entidades de direitos humanos e moradores lamentam o trauma coletivo, com relatos de famílias em luto e danos a residências.
Especialistas apontam que, se houver pedido de vista no TSE, o julgamento pode ser adiado para 2026, último ano do mandato de Castro. O desfecho, independentemente do resultado, reforça a instabilidade política no Rio, onde a eleição de 2026 já se desenha como um campo minado entre bolsonaristas fragmentados, paecistas em ascensão e o desgaste acumulado pela violência urbana. Por Alan.Alex / Painel Político



