Trump conforma-se com o papel de gerente da crise

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Donald Trump durante coletiva na Casa Branca no dia 1 de abril de 2020 — Foto: Tom Brenner/Reuters

Donald Trump durante coletiva na Casa Branca no dia 1 de abril de 2020 — Foto: Tom Brenner/Reuters

Entre a garantia fantasiosa de que o novo coronavírus não chegaria aos EUA e o dramático alerta de que o número de mortos pela pandemia no país será equivalente ao das duas guerras mundiais, passaram-se 37 dias. Foi o suficiente para constatar o fracasso de Donald Trump no papel que tradicionalmente caberia ao presidente dos EUA — o de líder mundial no combate à doença que matou, até agora, 69.374 pessoas, entre elas 9.619 americanos.

No comando da tragédia que já vitimou o triplo dos mortos do 11 de Setembro, em vez de buscar uma resposta global, Trump insiste na sua doutrina “America First” (Os Estados Unidos em primeiro lugar). Atropela novamente seus tradicionais aliados, desta vez para conseguir máscaras, respiradores e kits de testes — por incrível que pareça, em escassez na superpotência.

A guerra ao coronavírus transformou-se numa disputa mundial por suprimentos hospitalares, expondo também a fraqueza americana. Sob a atual gestão, os EUA se isolaram ainda mais, e o presidente encerrou-se dentro das fronteiras americanas. Diariamente lidera um extenso briefing da força-tarefa do coronavírus na Casa Branca, que se confunde também com um comício eleitoral sem claque.

Ele se vangloria dos feitos de seu governo, detalha as conquistas de equipamentos, consideradas fictícias pelos governadores dos estados mais afetados pela pandemia, e insiste sobre as vantagens, sem comprovação científica, do medicamento Hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19.

Frequentemente desmentido publicamente por Anthony Fauci, considerado a maior autoridade americana sobre pandemias, Trump conformou-se com o papel de gerente da crise, sem deter-se aos aspectos diplomáticos que seu cargo exige. O presidente deixou o caminho livre para a China, que se consolida como o provedor mundial dos itens que estão em falta.

Enquanto a potência asiática dá sinais de recuperação do surto e envia ajuda humanitária a quem precisa, os EUA se ausentam do cenário internacional, trocando o papel de líder pelo de barganhador de máscaras e respiradores.

O presidente impediu, por exemplo, que a 3M, com sede em Minesotta, entregasse uma encomenda de máscaras já acertada com o Canadá. Para isso, recorreu a uma lei da época da Guerra da Coreia, nos anos 1950, que obriga as empresas americanas a suprirem a demanda interna.

O desvio de máscaras e equipamentos foi equiparado “a um ato de pirataria moderna” pelo ministro do Interior Andreas Geisel, da Alemanha, país prejudicado pela manobra de Trump, juntamente com o Brasil e a França.

“Não é assim que se lida com parceiros transatlânticos. Mesmo em momentos de crise global, não é correto usar métodos do Velho Oeste”, resumiu o ministro alemão.

Trump reconheceu no domingo que está diante de um inimigo invisível e inteligente, para logo depois assegurar que é mais esperto do que o vírus. Será? Ele faz o cálculo macabro de que se a pandemia matar 100 mil americanos significa que terá feito um ótimo trabalho como comandante em chefe. Definitivamente, o presidente americano enfrenta um déficit de credibilidade. Por Sandra Cohen. Especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em ‘O Globo’