Por Maurício de Novais Reis*
Parte Final – Finalizamos a parte anterior deste artigo afirmando que a psicanálise confere ao sujeito o direito de exercer sua subjetividade, elaborar seus conflitos intrapsíquicos, reconstituir seu discurso frente ao real, numa perspectiva de reconstrução do próprio desejo. Sim, a psicanálise confere ao sujeito a possibilidade de mergulhar no profundo de si mesmo, através das elaborações significantes e reconhecer-se como sujeito desejante. À medida que os significantes se encadeiam, estabelecendo conexões com o inconsciente do indivíduo, este passa a elaborar seus conflitos intrapsíquicos, fomentando, por fim, o conhecimento de si mesmo, da própria subjetividade.
Neste sentido, embora os fármacos apresentem certa medida de eficácia diante dos sofrimentos apresentados pelo corpo, posto que provocam reações químicas na constituição neurobiológica dos indivíduos que fazem desaparecer os sintomas, não são capazes, por outro lado, de estruturar uma especulação acerca das origens dos sintomas manifestos.
A psiquiatria biológica, utilizando-se da tabela diagnóstica catalogada no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – DSM, propõe intervenções biológicas, medicamentosas e neuroquímicas. Todavia, fundamentada nas teorias de Freud, cuja desconfiança fica patente nos escritos freudianos, a psicanálise procura propor caminhos diversificados. Obviamente, aqui não se afirma que os psicofármacos sejam inúteis (na parte anterior afirmamos a necessidade de utilização de fármacos em alguns quadros de transtornos mentais, sempre com rigoroso acompanhamento médico), porém neste aspecto a desconfiança parece bastante salutar. Tuchtenhagen afirma que a “tabela diagnóstica do DSM-IV sobre o TDAH são manifestações que podem ser encontradas em crianças neuróticas, border ou psicóticas como produto de defesas maníacas, elementos depressivos, atitudes de dissociação, histerias, condutas regressivas ou falhas no recalcamento primário”.
Desta forma, o que está em jogo na clínica psicanalítica, muito mais do que a descrição da sintomatologia para posterior intervenção terapêutica, é a consciência de que há um saber para além da racionalidade científica, que a psicanálise denomina de inconsciente, no qual as respostas acerca do sofrimento psíquico podem estar escamoteadas.
Mesmo assim, essas afirmações não implicam que os saberes psiquiátricos sejam dispensáveis. Pelo contrário. Os saberes psiquiátricos poderão proporcionar novos aportes à compreensão no que se refere aos transtornos mentais em geral, e ao TDAH em particular, dentro dos limites de sua atuação. Até porque, as melhores condições de acompanhamento dos sujeitos com esses transtornos não se encontram na disputa entre os variados saberes, mas na parceria multidisciplinar desses saberes.
Portanto, partimos do pressuposto de que as variadas áreas do saber detêm um discurso sobre a condição humana que poderá viabilizar as necessárias descobertas acerca das semiologias dos transtornos mentais, bem como oferecer condições profícuas no tocante à terapêutica. Para tanto, as disciplinas que discutem esta temática estão convidadas a participar deste importante debate. Pois, como disse Jung, nesta empreitada de ‘tocar a alma humana, devemos ser apenas outras almas humanas’.
*Maurício de Novais Reis é Psicanalista, Especialista em Teoria Psicanalítica e Professor no Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa.