Por Mauricio de Novais Reis*
Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o vocábulo transferência indica a passagem de algo de um lugar para outro (ou de um estado para outro), deslocamento, transporte ou mudança. Neste sentido, percebemos que, lexicologicamente, a palavra transferência tem um significado voltado para o movimento empreendido por algo ou alguém, numa perspectiva de transformação de trajetória ou posição.
Todavia, embora os conceitos enciclopedísticos e dicionarísticos possuam um valor intrínseco fundamental em nossa vida, considerando, especialmente, a influência que a linguagem exerce sobre todos os seres falantes, cujo desejo é expresso basicamente através da comunicação, torna-se irrefragavelmente necessário que tomemos o vocábulo em questão enquanto um conceito basilar do pensamento psicanalítico contemporâneo. Para tanto, precisamos empreender algumas reflexões acerca da relevância da transferência para a teoria psicanalítica, bem como no que concerne à aplicação do método psicanalítico.
Nesta perspectiva, podemos afirmar categoricamente que a psicanálise, enquanto método terapêutico, sustenta-se sobre dois elementos fundamentais, a saber, (1) a resistência (da qual falamos semanas anteriores), que indica a terminologia empregada para designar um conjunto de reações de um paciente cujas manifestações, no setting analítico, criam obstáculos ao desenrolar da análise; e (2) a transferência.
Enquanto na resistência o paciente parece apegar-se insistentemente aos seus sintomas (mesmos sintomas que o levaram a buscar auxílio terapêutico), reproduzindo-os de maneira a obstaculizar o tratamento; na transferência frequentemente os desejos inconscientes do paciente concernentes a objetos externos passam a se repetir, no âmbito da relação analítica, na pessoa do analista, colocando o analista na posição desses diversos objetos.
Desta forma, a transferência é essencial para o processo psicanalítico, uma vez que possibilita que o analisando “transfira” para o analista as tintas do desejo inconsciente que habita as profundezas do seu ser; desejo este que, investido nas relações parentais, propiciaram o surgimento dos sintomas. Neste sentido, torna-se indispensável que o analista esteja aptamente preparado para manejar a transferência no âmbito da relação analítica a fim de proporcionar ao paciente uma direção segura para o tratamento.
Dentre todas as psicoterapias existentes atualmente, só podemos chamar de psicanálise aquela que, mediante a relação paciente-analista, considera a existência inquestionável da resistência e da transferência. Porque é o reconhecimento desses dois elementos decorrentes do setting psicanalítico que distingue a psicanálise das demais formas de psicoterapia.
*Maurício de Novais Reis, Agente Municipal de Desenvolvimento de Itanhém/BA; professor de sociologia do Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa e especialista em Teoria Psicanalítica/FACEL.