Por Luiz Flávio Gomes*
Até 1888 a abominável escravidão era, no Brasil, a maior tragédia anti-civilizatória. Quem a apoiava e até ganhava bandidamente muito dinheiro com ela, ainda que vestisse fraque, frequentasse o palácio real e falasse francês, era um jumento de duas patas repleto de imoralidade.
Da República (1889) para cá é a educação de qualidade para todos a maior e inequívoca prova da falta de emancipação moral das elites (oligarquias) que dominam e governam os destinos da nação. Somos geridos, em regra, por jurássicos imorais. São poucas, lamentavelmente, as exceções.
Na avaliação do Pisa de 2016, com 70 países, o Brasil era o 66º em Matemática, 63º em Ciências e 59º em Leitura. Na Pesquisa do World Economic Forum com 137 países nosso ensino fundamental ocupa a posição 127ª e o superior a 125ª. Na Prova Brasil, do ensino médio, os resultados são desastrosos.
No Ranking de 2018 da Varkey Foundation, com 35 países, o Brasil é o último colocado em prestígio do professor. Leia-se: o Brasil conta com o professor mais menosprezado (salários insuficientes, falta de respeito dos alunos, xingamentos, agressões, carreira pouco atrativa, péssimas condições de trabalho, desinteresse pela profissão etc.).
As elites mandantes, que são predominantemente vulgares e excêntricas, acreditavam, nas décadas de 50 e 60, que a educação era efeito do desenvolvimento. Quanta burrice! O contrário é o correto. Não queriam, evidentemente, empregar o dinheiro público apropriado por elas com a desasnação do povo (50,6% com mais de 15 anos eram analfabetos totais).
Nos anos 60 e 70 a prioridade absoluta era o ensino superior. Em quase tudo neste país as elites vulgares ensinam imoralmente que os frutos devem ser colhidos antes da plantação. Sem excelente ensino fundamental não teremos nunca a profusão de bons alunos no patamar superior.
Dos anos 50 até o princípio dos anos 80 o gasto com educação era ridículo (menos de 2% do PIB). De meados dos anos 80 para frente passamos a destinar mais recursos para essa área (hoje chega-se perto de 6% do PIB – ver M. da Nóbrega, Veja 19/9/18).
Nos anos 90 o ensino fundamental foi universalizado pelos governos do PSDB. As crianças pobres foram para escolas pobres com ensino muito pobre, professor pobre e sem condições de trabalho, desestimulado e desencantado. Nos anos petistas voltou a prioridade para o ensino superior, com bolsas de estudo e financiamentos.
Resultado: temos poucos analfabetos totais (7%), mas se alastrou como epidemia o analfabetismo funcional (mais da metade da população não sabe ler ou escrever ou não entende o que lê ou não sabe fazer operações matemáticas mínimas). Sem mão de obra qualificada, claro que a produtividade no Brasil é indecente. Porque apostamos tudo no ignorantismo e na mediocridade.
Com 8 anos de escolarização média conseguimos alcançar o Zimbábue. Ufa, alcançamos o pobre Zimbábue! É a menor taxa de escolarização do Mercosul. Gastamos hoje muito com educação (quase 6% do PIB), mais que as nações mais ricas (5,5%), mais que a Argentina (5,3%), mais que a China (4%), mas gastamos pouco com o ensino até os 18 anos de idade. Tudo se agrava com sérios problemas de gestão e de corrupção nas escolas.
Nossa proposta: ensino de qualidade em período integral para todos, até os 18 anos, em um sistema educacional federalizado (ou seja, ensino pago pela União com ajuda dos Estados e Municípios). Reciclagem e respeito total aos professores, reformulação do programa de ensino, priorizando-se a ética assim como o aproveitamento dos talentos de cada aluno ou aluna.
Nossas elites (oligarquias mandantes e governantes), com pouca exemplaridade para comover e influenciar as pessoas e o mundo, lutaram pela sua liberação da opressão e do despotismo dos governos monárquicos e ditatoriais. Sempre é válida a luta pela liberdade.
Logo após nossa independência (1822) foram se transformando em elites burguesas (o sonho de consumo planetário após a Revolução francesa), mas não perderam o ranço aristocrático, que tem como ancestral comum o senhor feudal (da Idade Média), que conta com vassalos e servos.
O grave déficit desse arrastado processo histórico é que ele não foi acompanhado da imprescindível emancipação moral. A escravidão (de quatro séculos) assim como o ensino de péssima qualidade até os dias de hoje são provas inequívocas dessa aberrante falha ética.
O campo das liberdades em favor das elites (oligarquias) foi se ampliando na medida em que elas foram se impondo (pelo poder econômico e político) como classes dominantes.
Na rabeira dessa cidadania de inspiração oligárquica foram se formando as classes médias autossuficientes. Essas classes (educadas) sabem o que é o mundo moderno e sabem também reclamar por seus direitos e garantias jurídicas e culturais.
As classes cidadãs preocupam-se seriamente com o capital cultural (por meio da educação) porque sabem o valor dele para a construção de um ideal de civilização despojado da opressão e da coação ilegítimas.
A sub-cidadania não pavimentou a mesma história. Sua luta será grande: primeiro porque a liberdade chegou para ela apenas no plano formal (no papel, na Constituição), não na realidade; segundo porque ela sabe que sem educação de qualidade não há igualdade de oportunidades, que é a premissa do discurso da meritocracia; terceiro porque os exemplos que são transmitidos pelas elites vulgares ou bandidas são deploráveis. Não lhe favorece a teoria da imitação. Sem exemplaridade não existem bons costumes para serem imitados.
*Luiz Flávio Gomes, jurista e criador do movimento Quero Um Brasil Ético. Estou no f/luizflaviogomesoficial