Tô velha mas não tô morta: idosos redescobrem tesão e sexo após os 60 anos

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Corpo muda, no entanto, performance sexual pode (e deve) melhorar com a idade

Quando jovem, a professora universitária Ana Beatriz Simon Factum teve seu “corpo esquecido” por conta das cobranças intelectuais e da vida acadêmica. Naquele momento, a prioridade era se especializar ao máximo, ser aprovada em um concurso e manter a produtividade. Hoje, aos 60 anos, ela se sente conectada como nunca antes à sua sexualidade – para ela, nada além que a junção do vigor físico ao mental. A ligação ficou ainda mais forte ano passado, quando se submeteu às tão sonhadas cirurgias plásticas que reduziram sua barriga e mamas. “Redescobri meu corpo”,  exclama.

Parte da redescoberta passou também pela participação no documentário Nuas e Cruas, que deu origem ao ensaio que ilustra esta página. Ana Beatriz é a mulher que aparece sentada na cadeira, com as pernas cruzadas e os braços caídos sobre Rosângela Souza, 62, que também se dispôs a conversar com a nossa reportagem sobre sexo aos 60 e autorizou o uso da foto sem tarjas (!), inclusive na capa.

Ana Beatriz Factum (sentada na cadeira), 60, e Rosângela Sousa, 62, em cena do documentário Nuas e Cruas (Foto: Mariana Ayumi/ Divulgação)

“Sou a pessoa que busca dar visibilidade às questões das mulheres, às pautas que nos desafiam hoje. Pra mim é uma missão, até mesmo enquanto professora, me colocar à disposição disso para que outras mulheres, futuramente, vivam num contexto menos complicado”, complementa Ana Beatriz sobre o fato de ter topado se despir para o projeto idealizado pela fotógrafa baiana Mariana Ayumi.

Casada há 31 anos, mãe de duas filhas, ela fala de qualquer assunto relacionado a sexo e ao próprio corpo com a maior naturalidade. Masturbação, orgasmo, prazer… “Me masturbo para conhecer a mim mesma. Se você não se toca, como você vai dizer ao outro o que dá certo para você? Para dar certo para qualquer pessoa, você tem que se conhecer, permitir o autoprazer. Inclusive, isso é algo da minha vida inteira”, destaca.

Atualmente solteira, Rosângela Souza é outra dessas mulheres bem resolvidas que tem certeza de que o prazer parte de si. “Acho que namorei tanto na vida, que hoje sou mais recatada – e não tanto do lar! (risos). Me sinto bem só! Não é sobre não gostar das pessoas, não querer me relacionar, mas é só que eu fico bem sozinha também, e a vida acaba sendo isso de certa forma”, pondera a funcionária pública, cujo último relacionamento foi com uma mulher. “Sou bissexual, gosto muito de namorar homem também”, complementa.

Quem já passou dos 60, e acredita que nunca lidará com esses assuntos de forma tão tranquila, o geriatra do Hospital Português Marcio Peixoto, 44, dá a dica: nunca é tarde para desenvolver a sexualidade. “Sexo é fundamental em todas as fases da vida. Diferente dos outros animais, em que a única função do sexo é reprodutiva, no ser humano ele é uma ligação e algo capaz de propiciar prazer”, explica. Por isso, é preciso ficar atento quando o interesse pelo sexo diminui e a justificativa é tão somente o envelhecimento.

Tudo muda
Claro que alterações biológicas e hormonais são capazes de alterar a relação com o desejo de mulheres – e de homens! -, mas a performance sexual pode (e deve) melhorar com a idade.

Segundo a psicóloga e pesquisadora em sexualidade Ana Paula Pitiá Barreto, 39, as mudanças de fase etária, sejam elas quais forem, não são uma razão para desistir do sexo, mas para explorar e entender o que funciona melhor para você agora. “Sexualidade não é só o ato sexual, mas é o prazer pela vida. O prazer da pessoa em se sentir desejada”, explica.

Ana Beatriz Factum fala sem qualquer tabu sobre assuntos envolvendo sexualidade e o próprio corpo “para que, futuramente, outras mulheres vivam num contexto menos complicado”  (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO)

Fatores de vida e condições emocionais também têm repercussão em como cada um lida com o próprio corpo e com o sexo. “Se há bem-estar, a pessoa se permite viver essa experiência, sem ser limitada pela idade”, complementa a especialista, que elenca as condições médicas de hoje como outro aspecto positivo, que  tornou acessíveis diversos métodos de reposição hormonal, de próteses penianas e de lubrificantes íntimos.

Dona de uma farta obra sobre sexo na maturidade – que vai de livros e artigos a workshops e vídeos no YouTube -, a escritora americana Joan Price, 77, defende que a maneira como as pessoas lidam com a sexualidade depois dos 50 está mesmo mudando, mas não o suficiente. “Ainda há muitos que dizem: ‘Se não posso ter uma ereção, o sexo está acabado’ ou ‘se eu não tenho lubrificação, acabou o sexo’”, pondera.

Frases e pensamentos que saem quase que naturalmente da boca de muita gente, e que trazem embutidas a crença de que o prazer não é possível após determinada idade. “Quando eu me separei, aos 51 anos, o que eu mais ouvia era gente me perguntando se aquela era idade para isso. Mas, qual é a idade para se separar? A autoestima da mulher pode ser minada por esses parâmetros”, comenta a terapeuta Vivina Machado, 62, que aos 54 voltou a se envolver amorosamente e há oito anos mantém um relacionamento estável.

Parâmetros que, segundo Vivina, estão condicionados ao lugar central que o envelhecimento da mulher ocupa em nossa sociedade, e que também acabam fazendo do sexo aos 60 um tema. “Afinal, qual a diferença do sexo aos 20, aos 30, ou aos 60?”, provoca.”Eu penso que a gente vive numa sociedade, sobretudo a brasileira, onde há a hipervalorização da mulher jovem, do corpo jovem. Então, é como se a mulher mais velha ficasse, sexualmente, deficiente”, avalia.

A sexóloga Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), chama atenção para as particularidades biológicas e físicas de homens e mulheres idosos, que somados à dimensão sociocultural, podem justificar o declínio da atividade sexual.

“Temos doenças que acometem mais pessoas de idade avançada, como diabetes, hipertensão, colesterol alto, que implicam em problemas de ordem circulatória, e dificultam a ereção masculina e a lubrificação feminina. Nas mulheres, o fim da produção do estrogênio no processo pós-menopausa deixa a mucosa vaginal naturalmente mais ressecada, o que causa dor durante o ato sexual, fazendo que isso se sobressaia ao prazer. Além disso, as mulheres costumam não separar a dimensão afetiva da sexual, e se elas não estão emocionalmente realizadas com seus parceiros, tendem a não se interessar por sexo. Fora isso, há questões de ordem psiquiíca, como a depressão, que tem alta incidência entre os idosos”, elenca.

Mas como diagnosticar se o desinteresse pelo sexo é fruto de uma opção ou algo motivado por umas dessas condições de saúde? “Existem pessoas que não se interessam pelo sexo, mas se havia interesse e, de repente, isso parou, é preciso observar. Sexo depende de saúde, é um parametro para você avaliar se você está bem física e emocionalmente. Reforço que sexo não é importante por si só, mas porque ele é reflexo, se configura como um indicador”, afirma Abdo.

A terapeuta Vivina Machado ouviu de tudo quando se separou, aos 51 anos; hoje, aos 62, defende que idade não é impeditivo para nada (Foto: Marina Silva/ CORREIO)

É por isso que, para a terapeuta Vivina Machado, o interesse pelo sexo está conectado à própria energia vital. “Se eu me sinto uma pessoa sem atrativos, sem conexão com a força e a alegria de viver, de onde vem a libido? É mágica? É alguém que magicamente desperta isso? E como é prazer para você mesma?”, questiona ela, que é autora do método Diálogo e Gestão Criativa de Conflitos (DGCC).

Desejo
Casada por 27 anos com o primeiro namorado, que conheceu quando tinha 14, Regina*, 62,  foi redescobrindo sua sexualidade depois da separação. O passo definitivo para isso foi quando entrou em dois aplicativos de relacionamento por incentivo das amigas e do filho, que foi quem a cadastrou.

Descobriu em pouco tempo que conhecer alguém pelo Tinder  não era tão diferente assim de como acontecia na “vida real”. “Uma vez o cara me perguntou por mensagem, antes de me conhecer, o quanto eu media e o quanto eu pesava. Na hora, não quis mais assunto. Tem que ter amor próprio, e isso independe se é no aplicativo ou em uma festa”, sentencia.

Regina* é daquelas que gostam de namorar e, por isso, acha muito bonita e verdadeira toda aquela conversa de que é preciso achar alguém companheiro, mas não abre mão de sentir desejo e ser desejada. “Em qualquer idade você quer um parceiro, quer identificação, mas não adianta ter tudo isso e estar casada com um irmão. Busco um homem que me veja como mulher, que me deseje. Sexo faz parte da relação, e nunca abri mão disso porque sei que meu desejo é legítimo”, diz.

Depois de tantas experiências, inclusive de arranjar um namorado no Tinder (com quem ficou por dois anos), já tem gente querendo que ela dê palestra sobre o assunto. “É uma brincadeira das amigas, mas é isso que eu quero dizer para as pessoas: o mundo mudou, se permita, quebre paradigmas”, convoca.
cadê eles?

Único homem que topou a falar com a reportagem, Fabrício*, 60, assume que entre eles há mesmo um receio maior em falar sobre o assunto devido a problemas como a perda de ereção e da performance sexual – algo que não deixa de estar relacionado aos ideais de virilidade sempre associados ao masculino.

“Como estamos vivendo mais, o que representa hoje 60 anos não é a imagem da pessoa mais velha, caquética. Os homens, já que costumam encerrar suas carreiras profissionais depois das mulheres, não aceitam parar, não querem deixar de fazer parte da sociedade, e a manutenção da vida sexual também tem a ver com isso”, associa.

Pai de três filhos, incluindo uma criança de três anos, Fabrício admite que foi aos 40 anos que viveu a melhor fase de sua vida. “Chegou os 50, e não senti abalo nenhum. Perdi um pouco a intensidade, mas ganhei em maturidade, na postura e em desempenho. Se não fosse o fato de estar com um filho pequeno, o que lhe demanda outras coisas, eu acredito que seguiria com a mesma sensação em relação ao meu corpo e a minha vida sexual hoje, aos 60”, estima. Por Marília Moreira / Redebahia