Intérprete de mulher que adora sexo em comédia no streaming, atriz fala sobre amor, idade e política e diz que não veio ao mundo para ‘passar despercebida’

— Meu Deus, deixa eu ver como é um homem. Tem muito tempo que não vejo como é essa coisa maravilhosa — Susana berra, ao receber o GLOBO em sua casa, no Rio de Janeiro.
A brincadeira poderia ser feita por Nelita, mulher que ela interpreta — e que adora discorrer sobre sexo, homens, pênis e otras cositas más — no filme “Amigas de sorte”, que estreou na última segunda-feira (17/5) nas plataformas Now, Sky, Vivo, Oi, Looke, iTunes e Google Play.
Comédia com argumento de Alexandre Machado e Fernanda Young (1970-2019) — e estrelada por Susana, Arlete Salles e Rosi Campos —, o longa dirigido por Homero Olivetto acompanha as aventuras e desventuras de três amigas acima dos 70 anos numa jornada transformadora.
A produção põe em primeiro plano as vivências de mulheres maduras, algo raro de ver no Brasil, lamenta Susana, cansada de encarnar mães e avós de protagonistas na TV. Na entrevista a seguir, ela, que já tomou as duas doses da vacina contra a Covid-19, fala abertamente sobre uma miríade de assuntos — da sensação de não se enxergar com a idade que possui ao desejo de jamais passar despercebida.
— Tenho 78 anos, e estou no auge para fazer a mulher gostosa, bonita e beijoqueira — afirma, orgulhosa.
Não é a primeira vez que você participa de uma obra que dá protagonismo a personagens acima dos 70 anos. Isso é importante?
Uma produção em que eu não sou a mãe ou a avó da protagonista é uma vitória. Mostra que não dá para fazer apenas filmes com três mulheres jovens à procura de um amor. Atrizes americanas, como Meryl Streep e Jane Fonda, já reclamaram que o cinema só oferece papéis bons para mulheres até uma certa idade. No Brasil, isso é muito pior.

Se você me perguntar como cheguei aqui hoje, tenho muito mais história do que uma garota que também já ganhou dinheiro suficiente para comprar uma casa como a minha. Mas ela contará o quê? Ela vai preencher só meia página de jornal.
Alguma coisa mudou internamente em você quando foi diagnosticada, em 2015, com uma leucemia linfocítica crônica, sem cura?
Isso não virou chave nenhuma dentro de mim, porque não parei de trabalhar por causa da doença. Quando o médico falou que eu tinha leucemia, eu só perguntei: “Vou morrer?”. Todo mundo que tem vida dentro de si tem esperança de amor, de foder, de comer, de viajar. Tudo é positividade.

Em 2015, você se posicionou politicamente de maneira firme, indo a manifestações contra o PT e a favor do juiz Sérgio Moro. De lá para cá, o cenário político mudou, e alguns colegas que a acompanharam nesses protestos, como o ator Marcelo Serrado, afirmaram que suas opiniões haviam alterado. O que você pensa disso hoje?
Muita coisa mudou na minha cabeça. Mas teria feito, sim, o que fiz lá atrás. Que as coisas mudaram e se inverteram, não tenho a menor dúvida. Mas não vou citar nomes. Lá atrás, quando fui para a rua com Marcelo Serrado, Victor Fasano e Márcio Garcia, a gente foi com verdade, apoiando o Sérgio Moro e a justiça. Por incrível que pareça, éramos contra a corrupção. Acontece que estou vendo tudo igual a antes. Não há mudança nenhuma. O quadro é mais ou menos o mesmo. É só você olhar para aquela CPI da Covid. Estou passada, mas não me arrependo de nada do que fiz.
Até hoje vejo pessoas falarem para mim: “E aí, cadê o seu juizinho que você gostava?”. Escrevem isso no meu Instagram. Mas não sou fissurada em ninguém, nem em partido nem em pessoa.
“’Hoje não posso apoiar nada. Sou absolutamente contra as armas. Quem tem que ter armas é o Excército, e só. Nem a polícia deveria ser armada”
Você aprova o governo Bolsonaro?
Não aprovo nada do governo de agora. Mas não quero falar de Bolsonaro. A gente (os atores que se manifestaram a favor de Sérgio Moro, em 2015) não sabia nem quem era Bolsonaro. Éramos contra o PT. Não fiz campanha para Bolsonaro. Nenhum de nós nunca conheceu Bolsonaro. Não tenho foto nenhuma com ele. Não íamos para a rua para votar em alguém. A gente era contra o status quo. Mas hoje não posso apoiar nada. Sou absolutamente contra as armas. Quem tem que ter armas é o Exército, e só. Nem a polícia deveria ser armada. Arma é a coisa mais absurda e abjeta que existe.
Você mantém contato com Regina Duarte?
Sim, claro que sim, por que não? Regina é uma das minhas amigas de mais de 30 anos. É uma mulher séria, com caráter. Tenho certeza que ela foi (trabalhar no governo Bolsonaro, na Secretaria de Cultura, em 2020) com a maior das boas vontades e boas intenções. Ela não foi lá defender os direitos dela, porque não precisava disso. Ela tinha um salário e uma posição que não precisaria provar nada para ninguém. Tenho o maior respeito , e não vou jamais julgá-la de ter ido ou não ter ido (para a política). Cada um sabe de si. Não sei ela deveria ter largado a TV Globo. Mas ela estava tão animada quando me contou sobre isso que fiquei com vergonha de falar (minha opinião). A gente agora tem que descansar e deixar os outros fazerem pela gente. Por Gustavo Cunha / O Globo.