Por Luiz Felipe da Silva Andrade*
À medida que o país se aproxima de um novo período eleitoral, cresce também a necessidade de atenção redobrada por parte de candidatos, partidos e eleitores quanto às informações que circulam no debate público.
Em matéria eleitoral, decisões judiciais costumam ganhar repercussão imediata — nem sempre acompanhada da devida contextualização jurídica. Foi exatamente o que se viu recentemente: a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que reconheceu a inelegibilidade de gestores com contas rejeitadas teve ampla divulgação, enquanto a posterior atuação do Supremo Tribunal Federal, que restabeleceu a segurança jurídica sobre o tema, recebeu bem menos destaque.
Esse desequilíbrio informativo é particularmente sensível em um cenário pré-eleitoral, no qual interpretações apressadas podem gerar insegurança, distorções e até afastar indevidamente pré-candidatos do debate democrático. Foi nesse contexto que o Supremo Tribunal Federal decidiu que a rejeição de contas acompanhada do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva pelo Tribunal de Contas não gera inelegibilidade.
A decisão foi proferida pela 2ª Turma no julgamento da Reclamação Constitucional 75.020, que derrubou acórdão do Tribunal Superior Eleitoral responsável por indeferir a candidatura do prefeito reeleito de Paranhos (MS), Heliomar Klabund (MDB), nas eleições de 2024.
Origem da controvérsia
O caso teve início quando o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou as contas do gestor municipal por irregularidades na aplicação de verbas federais do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).
No mesmo acórdão, o TCU aplicou multa e determinou a devolução de R$ 77,7 mil ao erário, mas reconheceu expressamente a prescrição da pretensão punitiva.
Apesar disso, o TSE entendeu que a mera imputação de débito seria suficiente para atrair a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64/1990, com fundamento no §4º-A, introduzido pela LC 184/2021.
A leitura adotada foi a de que a existência de débito, ainda que sem sanção válida, configuraria ato doloso de improbidade apto a afastar a elegibilidade.
A decisão, firmada em abril de 2025, representou uma virada na jurisprudência eleitoral, já que, desde as eleições de 2016, o próprio TSE vinha afastando a inelegibilidade em hipóteses de contas prescritas.
Intervenção do Supremo
Ao analisar a reclamação constitucional, o ministro André Mendonça apresentou voto divergente, que acabou prevalecendo. Segundo ele, não cabe à Justiça Eleitoral ignorar o reconhecimento expresso da prescrição feito pelo Tribunal de Contas, uma vez que a multa aplicada é manifestação direta da pretensão punitiva do Estado.
Para o ministro, a análise da inelegibilidade deve partir de uma premissa objetiva: se a pretensão punitiva está prescrita, seus efeitos não podem ser utilizados para restringir direitos políticos.
O voto destacou ainda que a decisão do TSE contrariou teses firmadas pelo próprio STF em regime de repercussão geral, notadamente os Temas 666, 897 e 899, que tratam da prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, ressalvada apenas a hipótese de dolo específico reconhecido pela Justiça comum.
Por maioria, a 2ª Turma acompanhou a divergência, vencido o relator ministro Edson Fachin, que defendia a manutenção do acórdão eleitoral com base no §4º-A da LC 64/90.
Estabilidade das regras do jogo eleitoral
Outro ponto relevante do julgamento foi a reafirmação do entendimento fixado pelo STF no RE 637.485/CE, julgado em 2013, segundo o qual mudanças de jurisprudência do TSE ocorridas durante o processo eleitoral não têm aplicação imediata.
Essas alterações somente podem produzir efeitos para eleições futuras, sob pena de violação à segurança jurídica e à previsibilidade do processo eleitoral. Esse aspecto é especialmente relevante em períodos pré-eleitorais, nos quais decisões abruptas podem gerar instabilidade institucional e comprometer a legitimidade do pleito.
Prescrição como garantia, não como impunidade
A decisão do Supremo também reforça um ponto frequentemente mal compreendido no debate público: prescrição não é sinônimo de impunidade. Trata-se de uma garantia constitucional que limita o poder punitivo do Estado e impõe racionalidade ao exercício das sanções administrativas e políticas.
Punir fora do tempo legalmente previsto não fortalece a moralidade administrativa; ao contrário, fragiliza a credibilidade do próprio sistema jurídico.
Conclusão
Ao corrigir a interpretação adotada pelo TSE, o Supremo Tribunal Federal restabeleceu a coerência entre o Direito Eleitoral e o Direito Administrativo, reafirmando que a inelegibilidade não pode ser construída sobre sanções já alcançadas pela prescrição.
Em um momento em que o debate público se intensifica e informações incompletas tendem a se espalhar com rapidez, a decisão da Corte Suprema funciona como um alerta: a democracia exige não apenas rigor, mas também previsibilidade, legalidade e equilíbrio institucional.
*Luiz Felipe da Silva Andrade* é sócio fundador do escritório Campanari, Gerhardt & Silva Andrade, onde atua de forma estratégica nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo e Eleitoral; é membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiro (IAB); membro e Conselheiro Fiscal da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP); membro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG); Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rondônia e Vice-presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas. Por Alan.Alex / Painel Político


