STF privilegia Renan (quo usque tandem?)

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LEMBRETE aos internautas que queiram nos honrar com a leitura deste artigo: sou do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e recrimino todos os políticos comprovadamente desonestos assim como sou radicalmente contra a corrupção cleptocrata de todos os agentes públicos (mancomunados com agentes privados) que já governaram ou que governam o País, roubando o dinheiro público. Todos os partidos e agentes inequivocamente envolvidos com a corrupção (PT, PMDB, PSDB, PP, PTB, DEM, Solidariedade, PSB etc.), além de ladrões, foram ou são fisiológicos (toma lá dá cá) e ultraconservadores dos interesses das oligarquias bem posicionadas dentro da sociedade e do Estado. Mais: fraudam a confiança dos tolos que cegamente confiam em corruptos e ainda imoralmente os defende.
É imperiosa a obrigação de rompermos com nossa letargia de rebanho (Nietzsche), que a tudo teme e a tudo espera, por não ser livre (Nikos Kazantsakis). É inadiável a necessidade de entendermos que os Estados, com as mesmas características do Brasil (neocolonialista, fiscalista, patrimonialista, extrativista, racista, escravocrata, patriarcalista e autoritário), constituem o ponto de Arquimedes da cleptocracia, ou seja, da alavancagem impune de fortunas (sem ou com escassos controles administrativos e jurídicos), por meio das pilhagens e roubalheiras promovidas pela união concertada dos interesses mesquinhos e arrogantes dos grupos, setores, frações e corporações das classes dominantes (as elites que detêm o poder econômico e financeiro e que interferem no poder político) com as mazelas, patifarias e excessos das classes reinantes (as elites governam: governantes, políticos, parlamentos, tribunais, altos funcionários etc.).
Sair do rebanho é encontrar-se consigo mesmo (emancipar-se, diria Kant) e se deparar com uma nova vida. É preciso transgredir com a tradição (que vem de tradere, que é o legado que recebemos em um determinado local, tempo e cultura em que vivemos). Rompê-la. Reinventá-la. Muitos supõem que isso seja impossível. Ignoram a história das nações (da transformação ética da Suécia em meados do século XIX, da Inglaterra na passagem do século XIX para o XX, de Singapura e Hong Kong nos anos 50/60).
Os que não querem transgredir o legado abominável são fracos, são covardes. Exaurem-se no narcisismo frouxo da pós-modernidade. Contentam-se com a reprodução das suas imagens nas telinhas tecnológicas; isso é o suficiente para se encontrarem com o Universo. E, às vezes, até acreditarem que são o centro dele. Os cínicos, com os dedos no nariz (deixando o minguinho sobressaltado para sinalizar o infinito da mediocridade), passam a vida se esquivando de sentirem os odores fétidos da cleptocracia reinante (sendo coniventes com ela).
Renan Calheiros é um emblemático bandoleiro desse “sistema” cleptocrata. Um baluarte da cleptocracia brasileira (= Estado dominado e governado por agentes públicos e privados que fazem da corrupção endêmica e das pilhagens sistêmicas uma das fontes de acumulação indevida e impune de riqueza). Nem sequer seu escândalo de 2007 (de 2007!), que o levou a renunciar à presidência do Senado para salvar seu mandato,
“Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado.
Ninguém respeita a constituição.
Mas todos acreditam no futuro da nação.
Que país é esse?”(Legião Urbana, composição de Renato Russo, 1987).
A empreiteira Mendes Júnior, por interpostas pessoas, pagava à jornalista Mônica Veloso, em dinheiro corrente, o valor de uma pensão mensal da filha que o senador tivera com ela num relacionamento extraconjugal.
Num país cleptocrata esse é um exemplo do nível de irresponsabilidade que vigora nessas indecorosas parcerias público-privadas: faça filhos e mande a conta para todos. Toleramos até isso, o pagamento de pensão de filho alheio com o dinheiro público.
Por esses fatos o ex-Procurador-Geral da República (Roberto Gurgel) só ofereceu denúncia contra Renan em 2013 (seis anos depois!), precisamente quando ele foi reeleito para a presidência do Senado (como se ficha limpa fosse). Que país é esse? Continua.
.*Luiz Flávio Gomes, jurista e coeditor do portal “Atualidades do Direito”. Estou no [email protected].