A sociedade é hipócrita por excelência, até porque, para se viver em comunidade é preciso uma postura comedida, às vezes, subserviente, nem sempre de acordo à sua real personalidade. Então, forjam-se seres, vestem-se máscaras, o politicamente correto fala mais alto quase sempre.
E foi assim que o “Je suis Charlie” nasceu, junto com a grande massa midiática, que, até hoje dá ênfase ao assunto e reafirma serem os cartunistas os heróis da liberdade de expressão (sem escrúpulos e respeito pelo outro). Porém, o grupo que se afirma contra a postura do Charlie Hebdo – NÃO a favor do ato terrorista – ganhou força na última semana com uma declaração do papa Francisco de que liberdade de expressão não dá direito de insultar o próximo e que tanto a liberdade religiosa quanto a de expressão são direitos fundamentais. A fala dele só vem esclarecer o que muitos insistem em deturpar criticando os que têm postura contrária ao ‘Je suis Charlie’ tomando-os como coniventes com o terrorismo, quando, na verdade, apenas eles veem os fatos para além do que a mídia quer que pensemos.
Mas, o politicamente correto diz que pega bem ‘ser Charlie’, ainda que sem argumentos. Triste é que esquecem que a mídia não estimulou um movimento pelos mortos na Nigéria, entretanto, ele existe, e nasce no mesmo grupo contrário a postura do jornal parisiense. O “Je suis Baga”, em homenagem aos mais de dois mil cristãos nigerianos mortos desde o dia 3 de janeiro em ataques terroristas que ainda não findaram pelo grupo islâmico Boko Haram, que deseja estabelecer um Estado islâmico no norte do país. Nem mesmo o presidente da Nigéria mostrou-se suficientemente consternado pelas mortes, que o governo reduz ao número de 150, por outro lado, solidarizou-se com o ataque francês publicamente, uma prova de hipocrisia, pois, inda que não se importe, de fato, com perdas humanas, se preocupa com a situação, afinal, fevereiro tem eleições presidenciais na Nigéria. Talvez, a solidariedade ao país rico renda mais votos…
O Boko Haram, que na língua falada no norte nigeriano significa “a educação ocidental é pecaminosa”, é um grupo de rebeldes islâmicos que em cinco anos matou mais de cinco mil pessoas e ainda não conseguiu ser parado. Eles usam meninas e mulheres em atentados. Recentemente, uma menina-bomba matou 20 pessoas ao explodir em mercado da Nigéria. A matança do grupo é comparada com a do vírus ebola e, ainda assim, apenas agora, mais de uma semana depois, começa a ser destaque nas manchetes dos jornais, porque o assunto Charlie Hebdo perde força. Ao menos agora, quem sabe, o mundo volte os olhos para as mortes dos civis cristãos nigerianos e algo é feito para dar um basta ao Boko Haram. Que os que podem fazer algo entrem na corrente que já está forte nas redes sociais: #JeSuisBaga.