Por Roberio Sulz*
Faz tempo que penso em falar desse assunto, mas, contenho-me para não parecer herege nem crítico inoportuno.
O fato é que nas últimas missas dominicais às quais assisti na igreja pedia a Deus para que fizesse o celebrante encurtar sua homilia, de tão enjoativa, vazia e, sobretudo, desconectada dos interesses comunitários, fossem estes pessoais, locais, regionais, nacionais ou universais. Para estender ainda mais a duração da missa, passaram-se a inserir no seu decurso, como se parte dela fosse, outros ofícios, mormente batizados, para os quais o celebrante interessado em delongar a celebração opta pelo rito mais extenso recheado de dispensáveis alegorias teatrais.
É de se observar que, nessas enfadonhas missas, o rito da eucaristia, ou seja, o “core” do ofício missal, que consiste no ofertório, na consagração e na comunhão muitas vezes é abreviado, rezado às carreiras, não se o revestindo das mesmas importância e ênfase dadas à desagradável homilia proferida pelo celebrante.
Perdoem-me pelo desabafo ora animado pelas lembranças que me ocorrem dos tempos de criança na igrejinha de Helvécia/BA, minha terra natal. Mal completara oito anos de idade e já aprendera a gostar muito da missa, por lá celebrada geralmente por frades franciscanos, nas ocasiões de festa religiosa, mais ou menos de dois em dois meses. Aguardava essa oportunidade com alegre apreensão. Sob louváveis cuidados, minha mãe Ignácia reservava-me a melhor roupa, bem como os paramentos de um fiel e consciente coroinha. Repassava na memória, com o auxílio de meu pai João Gonsalves, todos os termos em latim de resposta à missa, nessa época, rezada com o celebrante de costas ao público, hoje conhecida como missa tridentina ou forma extraordinária do rito romano ou, ainda, Missa de São Pio V.
Nossa modesta, mas graciosa igrejinha tinha, ao lado, uma pequena torre apoiada em grossas toras de madeira sustentando dois sinos de bronze, um maior para as badaladas graves e outro menor para os sons mais agudos. Os toques com originais floreios e repiques dados pelos sineiros – Tinho, Carlos, Tante e outros – anunciavam de tudo, procissão, enterro, feriado, aleluia etc. Os mais lindos e alegres, contudo, eram os que chamavam os fiéis às rezas de domingo e para as missas.
A eletricidade ainda não nos havia chegado. Por isso, nosso pequeno templo para as funções noturnas era iluminado por lampiões a querosene, pendurados nas laterais; o altar por dezenas de velas em castiçais, alguns colocados nas alturas fora do alcance com a mão livre.
Os preparativos para a missa começavam com boa antecedência. No chão de tábuas grossas já lavado e seco espalhavam-se areia grossa e folhas de pitangueira. Mais tarde viria descobrir a razão daquilo: era para que as aromáticas folhas de pitangueira esmagadas pelo pisoteio abrandassem o odor dos fiéis que ali chegavam suados provenientes de suas distantes roças depois de longa e cansativa caminhada. O incenso queimado nos sacudidos turíbulos com brasas a defumar o ambiente também ajudava nesse propósito.
Orgulho-me e alegra-me recordar que, precedendo o sacerdote, eu (às vezes mais outro coroinha) entrava no altar munido de uma vara de bambu com um toco de vela com pavio em flama na ponta para acender as velas do altar. Nesse momento orgulhava em puxar o canto: “A nós descei divina luz/ …./ Em nossas almas acendei/ O amor, o amor de Jesus”. Toda a igreja cantava em coro, especialmente as senhoras de cabeça coberta por véu preto e as moçoilas com véu branco.
A missa tinha seu início com o sacerdote aproximando-se do altar ainda sem galgar os degraus. Fazia parte das obrigações do coroinha segurar com os dedos a extremidade posterior da bata sacerdotal, onde uma enorme cruz se fazia bordada.
O rito iniciava com a fala do sacerdote “In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. Amen” (respondido também pelo coroinha). Seguia-se a oração para subida aos degraus do altar e a confissão dos pecados que ao final merecia a seguinte expressão (das mais difíceis para o coroinha), em nome dos fiéis: “Misereatur tui omnipotens Deus, et dimissis peccatis tuis, perducat te ad vitam aeternam”. Já no altar dava-se a oração do Kyrie eleison. E daí o rito se seguia por uma hora ou menos. Nada mais! Os ofícios de casamento, batizado etc. eram realizados após a missa sem a obrigatoriedade da participação de todos presentes à eucaristia.
O interesse por responder a missa em latim fez-me mais tarde no Colégio Estadual de Teófilo Otoni/MG, sob a batuta do professor Patrício, um bom aluno de latim, o que me rendeu nota máxima na matéria por todo o ano.
Ainda em Teófilo Otoni, no Ginásio São José, ingressei num curso de canto gregoriano, alternativa para quem o preferisse às aulas de canto orfeônico. Entrosei-me e destaquei-me facilmente por saber a missa em latim.
Confesso que hoje não me agrada ficar fora da igreja nas missas dominicais, embora as substitua pela missa celebrada pelo arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes e transmitida pela TV. De tão bem rezada e atrativa, esta missa deveria servir de exemplo (padrão) para os limitados sacerdotes que parecem querer resolver suas emoções pessoais em xaroposas e intermináveis homilias.
Por fim, dou graças a Deus por ter sido fiel à religião que abracei ainda menino. Nunca transitei – nem por acidente temporal ou experimental – noutra religião ou seita, embora respeite e compreenda sem preconceito as razões dos que as professam.
*Roberio Sulz é biólogo, biomédico e professor com licenciatura plena em Ciências Biológicas pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. Membro correspondente da ALAS – Academia de Letras e Artes do Salvador. [email protected]