Série Pistoleiros: Conheça a Patamo 500, patrulha que formou Ronnie Lessa, acusado de assassinar Marielle Franco

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A violenta trajetória do promissor oficial do Bope que teve carreira marcada por elogios e execuções, foi alvo de atentado a bomba e se tornou o principal suspeito da morte da vereadora carioca
Série Pistoleiros: Ronnie Lessa Foto: Arte
Série Pistoleiros: Ronnie Lessa Foto: Arte
Em outubro de 2018, cinco meses antes de ser preso pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, o sargento da PM Ronnie Lessa enviou uma foto a um amigo policial pelo WhatsApp. Na imagem, aparecem oito PMs fardados na frente de um parque infantil. O registro foi feito num momento de comemoração: Lessa, o segundo da esquerda para a direita, segura um copo que contém um líquido que parece cerveja. Ao lado dele, está o hoje tenente-coronel — na época, capitão — Cláudio Luiz Oliveira, que atualmente cumpre pena de 30 anos de prisão por ser o mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli. Anos antes de seus nomes frequentarem manchetes de jornal e serem conhecidos nacionalmente, os dois homens apontados como autores dos dois crimes de maior repercussão da história recente do Rio trabalhavam juntos, numa mesma viatura, como comandante e comandado.

A foto foi descoberta no celular de Lessa, apreendido pela polícia no dia de sua prisão, em março de 2019. Ela é um registro raro dos integrantes da Patamo 500 — uma patrulha que, ao mesmo tempo em que virou uma lenda dentro da PM, provocava terror nos moradores de favelas da Zona Norte do Rio no final dos anos 1990. Em cinco anos, Lessa, Oliveira e seus colegas participaram de ocorrências que terminaram em pelo menos 22 mortes, duas vítimas feridas após uma sessão de tortura e um desaparecimento de um homem, após ser colocado no xadrez da viatura.

A trajetória de crimes de Ronnie Lessa na PM é reconstituída em detalhes no primeiro episódio de Pistoleiros, um podcast original Globoplay produzido pelo GLOBO, que vai ao ar a partir de hoje. Ao longo de cinco episódios, a série — resultado de um trabalho de um ano e meio de apuração — vai revelar histórias inéditas sobre o submundo da pistolagem carioca.

Série PistoleirosTranscrição do primeiro episódio

Do Bope ao 9º BPM

Ronnie Lessa é o primeiro à esquerda, na época em que servia no 9º BPM (Rocha Miranda). Ao lado dele, está Claudio Oliveira, hoje tenente-coronel, preso pelo homicídio da juíza Patricia Acioli Foto: Reprodução
Ronnie Lessa é o primeiro à esquerda, na época em que servia no 9º BPM (Rocha Miranda). Ao lado dele, está Claudio Oliveira, hoje tenente-coronel, preso pelo homicídio da juíza Patricia Acioli Foto: Reprodução

O nome pelo qual o grupamento de Lessa e Oliveira ficou conhecido vem de “Patrulhamento Tático Móvel”, o jargão policial usado para nomear o conjunto de agentes armados com fuzis responsável por atuar em casos de maior gravidade, como sequestros e assaltos a bancos. O número 500 era o que estava estampado na viatura usada pelos PMs. Até hoje, Lessa tem saudade do período de pouco mais de cinco anos em que serviu na patrulha chefiada por Oliveira: “Patamo 500. Formação original, 1997. Das antigas”, escreveu o sargento, num tom saudosista, ao enviar a foto ao amigo pelo aplicativo.

A história da patrulha tem início em janeiro de 1997, quando o então capitão Cláudio Oliveira foi transferido para o 9º BPM, em Rocha Miranda, quartel responsável por policiar uma área que, à época, cobria mais de 30 bairros e mais de 20 favelas — sendo três complexos de comunidades: Chapadão, Pedreira e Serrinha — dominadas por três facções diferentes. O batalhão já tinha um histórico de violência policial: antes da Patamo 500, o quartel teve os Cavalos Corredores, grupo de PMs que participou da Chacina de Vigário Geral, em 1993. Na ocasião, 21 pessoas foram mortas numa incursão na favela em represália à morte de quatro policiais. Quatro anos depois do massacre, Oliveira, um caveira formado pelo Bope, chegou ao 9º BPM com a missão de formar uma equipe especializada em confrontos.

O objetivo inicial era fazer uma ocupação na favela de Acari. E, para isso, o oficial foi buscar seus homens de confiança para integrarem a patrulha. Lessa, que era considerado um de seus “pupilos” no Bope, foi uma escolha óbvia. Os demais escolhidos foram os PMs Guilherme Tell Mega, Roberto Luiz de Oliveira Dias, Marcelo Ferreira Rodrigues e Floriano Jorge Evangelista de Araújo — todos eles policiais operacionais, egressos de unidades que atuavam em áreas conflagradas, como o próprio Bope, a Companhia de Cães e o 16º BPM (Olaria), responsável por patrulhar o Complexo do Alemão.

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