Se querem dar as mãos, Moro e Doria têm que rasgar suas fantasias

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“Moro e Doria seriam uma espécie de nova conjunção tucana? Poderiam ser. Mas é esquisito”

Sergio Moro e João DoriaFábio Vieira e Michael Mello/Metrópoles
João Doria acenou para Sergio Moro. Sergio Moro acenou de volta. O que isso significa para a política brasileira? A princípio, nada.

Vamos deixar uma coisa clara: antibolsonarismo não é plataforma. Oposição pode ser base de proposição política. Os que se opunham ao regime militar, por exemplo, reuniram seus propósitos para subsidiar a Constituição de 1988. Não se trata de dizer se foi bom ou ruim. Foi um movimento político. Infelizmente, hoje não se vê um movimento político de oposição – e o país sente falta disso. O que se vê são alegorias antibolsonaristas. Isso não leva a lugar nenhum.

Moro e Doria seriam uma espécie de nova conjunção tucana? Poderiam ser – para situarmos no glossário da política como a conhecemos. Mas é esquisito. Tudo o que a estirpe tucana carrega de ideário liberal sumiu do mapa na conjuntura atual. Você pode adorar ou detestar o governo, mas será capaz de identificar vários traços da agenda que o PSDB tradicionalmente defende na política econômica atual. Nem Doria nem Moro jamais se posicionaram sobre isso. Oposição é uma coisa, negação é outra.

Quando o PSDB começou a desembarcar do governo Temer, após o caso Joesley, João Doria manteve o apoio à política econômica de Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn, recusando-se a aderir ao Fora Temer – escolha que seria fácil, pois até o cardeal do partido, Fernando Henrique Cardoso, estava pedindo publicamente a renúncia. E boa parte da grande imprensa passou a fazer o funeral do governo. Doria não entrou na onda – e correu os riscos políticos de continuar apoiando as reformas lideradas por um presidente estigmatizado.

Apoiou a candidatura Bolsonaro e depois chegou ao ponto de pedir a Paulo Guedes que abandonasse o governo (e consequentemente a agenda liberal em execução). Ou seja: desistiu dos princípios para virar um franco atirador. De liberal de centro (ou algo assim), virou antibolsonarista de plantão. É bem provável que a maior parte do eleitorado perceba esse movimento bem menos como oposição do que como oportunismo. E o que poderia ser uma opção consistente para derrotar Bolsonaro passa a ser pouco mais que uma birra.

O tal “convite” para Paulo Guedes largar o leme veio logo após a saída de Sergio Moro do governo. Será que o então ministro da Justiça também recebeu um telefonema convidativo? O que se sabe é que até hoje o ex-ministro sustenta que saiu do governo por motivo de interferência presidencial na Polícia Federal – o que o inquérito sobre a matéria não confirmou.

E de novo soou esquisito: um ex-juiz, conhecido por seu rigor e aparente objetividade perante os fatos, dando uma ruidosa coletiva de imprensa, ainda no cargo, para anunciar que estava se demitindo, em plena eclosão da pandemia, por um motivo grave. Ficou difícil reconhecer o Moro espartano no Moro histriônico.

É o mesmo que aparece agora no Senado conclamando seu partido a votar contra a PEC dos Precatórios – o que seria absolutamente legítimo, se o seu discurso não fosse uma salada estranha de elegia à responsabilidade fiscal com tempero de sensibilidade social. Não deu para entender direito por que Sergio Moro é contra a PEC. Deu para entender que ele é contra Bolsonaro – e isso seria oposição de verdade, se não estivesse sambando numa fantasia de retórica carnavalesca. A audiência pode ser distraída, mas nem tanto.

Resumindo: se Sergio Moro e João Doria querem dar as mãos para representar uma terceira via eleitoral, ou que nome isso tenha, recomenda-se que rasguem a fantasia e voltem a ser, para o bem ou para o mal, o que realmente são. Podem começar decidindo se agridem ou afagam Lula. Porque quem tenta ser categórico em sentidos opostos não se torna um moderado. Torna-se um nada. Por Guilherme Fiuza / Metrópoles