Como ex-pesquisador, ex-chefe do Departamento Técnico-Científico e tendo respondido pelo Departamento de Diretrizes e Métodos de Pesquisa da Embrapa, uso de minha coluna no Jornal Alerta para reproduzir o brilhante artigo dos ex-colegas embrapianos Manoel Moacir Costa Macêdo e Manoel Malheiros Tourinho, respectivamente, ex-chefe de unidades descentralizadas e ex-Diretor Executivo daquela empresa
Não convencem mais as nostalgias históricas.
Mantê-la como está é uma injustiça
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é, sem dúvida, uma história de sucesso. Exemplo do pragmatismo da pesquisa aplicada. Reconhecida dentro e fora do País. Como a “joia da coroa estatal”, os desafios foram vencidos e os resultados multiplicaram-se no campo e na cidade. Semeou o sucesso do capitalismo no campo. Modernizaram-se a agricultura, a pecuária e os sistemas de produção, incluindo sua crescente parte urbana, que gera empregos e dinamiza a economia do interior brasileiro. E a comida se tornou farta e barata, com safras recordes e participação expressiva no produto interno bruto. São alguns dos feitos de sua história. Por isso, o imperativo: Salve a Embrapa!
Mas o tempo passa, sempre introduzindo oportunidades novas, mas também potencializando a corrosão rápida das organizações. Modificar estruturas vitoriosas, mas enrijecidas, não é tarefa fácil. Neste século, a dinâmica social, a globalização, o acirramento da competitividade e o protecionismo vêm cobrando estratégias renovadas da Embrapa, no seu processo cotidiano de geração e entrega de tecnologias. Um mundo em ebulição que exige mapas mentais flexíveis e adaptáveis à profunda inquietação da sociedade informatizada, dos emergentes modos de viver, novos modelos organizacionais, lideranças proativas, demandas sociais e interações sistêmicas nos processos operacionais. É um mundo novo, um turbilhão que jamais acolheria as fantasias alojadas nas velhas e desbotadas mentalidades O resultado é que a Embrapa envelheceu, embora tenha apenas 47 anos de idade.
O contínuo padrão inovador dos produtores rurais e os novos padrões de consumo mundial exigem avanços muito mais rápidos na agricultura brasileira, realçando o dilema entre a relativamente lenta oferta de opções tecnológicas e as urgentes demandas do agronegócio, hoje uma usina de produção de riqueza e capacidade de adotar inovações. Não são recentes os questionamentos a respeito da capacidade da Embrapa para acordar do conforto organizacional e situar-se virtuosamente nestes novos tempos. O futuro chegou, escancarando o embate silencioso entre os seus valores corporativos, estáticos, resistentes e os movimentos das realidades agroindustriais.
São inúmeros os desafios, desde o enfraquecimento das parceiras com os Estados federados até as limitações de custeio, fatos gravosos que afetam o sistema nacional de pesquisa, fragilizando a Embrapa. Desarticulou-se a qualificação dos quadros técnicos, os investimentos são precários, a manutenção de equipamentos é inadequada e até as vozes de alerta são condenadas ao “silencio obsequioso”. Essas são algumas das evidências expostas de uma Embrapa algemada ao passado, acomodada internamente, exilada do dinamismo do setor produtivo e de suas demandas. Hoje há um “novo mundo rural” centrado na pluriatividade da agropecuária, mas conectado com inovações protegidas, transdisciplinares e sustentáveis, longe da ideologia da neutralidade científica, portanto, avessa ao passado autoritário das estatais, do mero aumento linear da produção e da produtividade das lavouras e criações, onde os tradicionais fatores de produção “terra” e “trabalho” têm sua relevância igualmente compartilhada com o “conhecimento”, a inteligência e a criatividade.
Persistir na cultura corporativa e no engajamento apenas por vínculo à empresa, não por ações e resultados, perdeu o apelo e o apoio da sociedade. As resistências às mudanças derivam da insegurança do imprevisível e da perda melancólica do vínculo do poder. Uma realidade dolorida, jamais imaginada no orgulho corporativo é ler: “Embrapa na lista das empresas estatais privatizáveis”. Num país pautado por desigualdade e carências sociais profundas, não convencem mais as nostalgias históricas, e mantê-la como está é uma injustiça com os próprios brasileiros. A realidade clama por outra Embrapa, com lideranças rejuvenescidas, colaboradores comprometidos – saudosismo do “vestir a camisa” –, gestores inovadores e um olhar de “grande angular” para o novo rural e o mundo urbano. Por tudo isso, salve-se a Embrapa!
Em pronunciamento, a atual ministra da Agricultura expressou: “A Embrapa custa caro aos brasileiros e aos produtores rurais”. Orçamento aproximado para 2019 de R$ 3,634 bilhões, sem dúvida expressivo, ainda que repartido em herméticas rubricas: R$ 3,076 bilhões (85%) para “pessoal e encargos sociais”, R$ 345 milhões (9,5%) para “pesquisa e inovações” e R$ 69 milhões (1,9%) para “investimentos”. Abismal e evidente desequilíbrio, mas uma quimera para as necessidades reais das mais de 40 unidades de pesquisa. Essa visão, sem outras análises conjunturais relevantes, termina empurrando a empresa para o sucateamento irreversível. Mais importante que os custos é a assimetria, afetando diretamente a eficácia de sua responsabilidade social. Portanto, trata-se de uma distribuição insustentável para a sobrevivência da Embrapa, além dos seus efeitos danosos em vários aspectos sociais para ela relevantes.
A Embrapa colheu imenso sucesso em sua missão, durante certo tempo, sobretudo por seu pragmatismo em oferecer respostas para os problemas práticos e imediatos. Se as perguntas mudaram, as respostas também serão outras, mas o pragmatismo em encontrar as soluções precisa permanecer. Muitos desafios são novos e outros, nem tanto, mas não sabemos se a Embrapa continuará a ter capacidade de apresentar novos caminhos. Essa é dúvida que a organização precisa dissipar para a sociedade brasileira. Na ressaca carnavalesca, Cartola, em poesia de extrema beleza, resume o sentir da Embrapa: “As rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti”. Salve-se a Embrapa, para que possamos aplaudi-la novamente.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU, pensador por opção. [email protected].