Robin Hood às avessas

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Aterrorizam nosso sossego, a todo instante, pela bem remunerada mídia, com dramáticas informações sobre o fosso econômico no qual o Brasil se meteu recentemente. Alardeiam que, no passo que as coisas caminham, em breve nada mais restará do Brasil a não ser dívida. E pelo tamanho da onça que pintam, ainda que entreguemos aos credores tudo que ainda tivermos, nossos rios, florestas, minérios e até o suor do povo, ficaremos devendo outro tanto. Por fim, mendigaremos trocados para comprar o pão de cada dia.
Não é só exagero, há muita falsidade e muita maldade nessa conversa propagada, a soldo do atual governo federal. Aliás, propagar falsidades não é mais que o ofício atual da chamada grande mídia, a serviço de alguém ou de algum grupo econômico. A cada pá cavada pelos economistas para aumentar a imagem do buraco financeiro, lembram enfaticamente o culpado: o povo, o trabalhador, agora fantasiado de irresponsável consumidor. Estariam nossos conterrâneos do suor corrido deixando de trabalhar para consumir imprudentemente maior quantidade de alimentos caros, roupas de grife, automóveis de luxo e bebidas importadas? Viajando e passeando mundo afora? E, por consequência, botando fé no Brás, como tesoureiro, para fechar as contas no final?
Para o governo, ora escorregando de ladeira abaixo, e seus “príncipes” da economia, mais afeitos a bancas de jogatinas, o brasileiro está nadando em dinheiro, com magnânimas sobras salariais no fim do mês, de modo que ainda cabe lhe arrancar mais algum.
A verdade é outra, claro! O trabalhador, cujo ganho mensal líquido, após subtraídos os descontos compulsórios de impostos, tarifas e contribuições governamentais, mal lhe chega para pagar os fiados do armazém, as contas d’água, de luz, os remédios, a escola, o transporte etc. Só Deus sabe dos apertos e malabarismo que faz para equacionar essas contas.
Como se assim não bastasse, as reformas trabalhista e previdenciária propostas pelo governo lhe prometem mais inferno: achatamento salarial, por conta de mais descontos compulsórios no contra cheque; insegurança no emprego, por falta de representatividade sindical; aposentadoria quase inalcançável, em razão do tempo obrigatório de serviço estendido; proventos irrisórios, consequente da necessidade de maior tempo de contribuição; imposição de obstáculos no acesso à justiça trabalhista etc.
Menos dinheiro em circulação, menor poder de consumo, redução dos níveis de conforto e vida… Enfim, pobreza geral!  Não nos iludamos, com essas reformas, cava-se um tremendo fosso social para tapar os buracos da economia.
Na verdade, a fechar os olhos para o caos emergente no horizonte, advindo das reformas propostas, pratica-se incrível irresponsabilidade política e social.
Ainda assim, a propaganda inverte a lógica, ignora essas nefastas consequências sociais, bastante previsíveis, e sofisma para dourar seus argumentos e favorecer vertente racional meramente econômica, de interesse do capital rentista.
A mentira tem pernas curtas, a maldade não tem perdão.  O famigerado “rombo” nas contas públicas foi e continua sendo causado pelas mirabolantes engrenagens econômicas que sustentam a malandragem do capital rentista, a ciranda financeira e a agiotagem dos banqueiros nacionais e internacionais. E pior: o governo é seu mais fiel cliente (ou refém?), ao deslocar recursos da previdência para lhe pagar juros absurdos e moralmente indevidos.
Dói muito ver gente que não lê além das manchetes e capas de revistas, pobre de conhecimento, mas metida a sabida, reproduzir opiniões e juízos de valor plantados pela mídia enviesada a favor das elites dominantes. Tem até um inocente idoso, em propaganda de TV, fazendo-se sabido e preocupado em não receber sua aposentadoria no futuro, se não forem aprovadas as ilusórias reformas propostas pelo governo.
Outra descarada maldade é alegar que a idade do brasileiro se elevou e o permitiu viver além do tempo previsto pelo desenho econômico do governo.  E que essa extensão na vida de cada um tem que ser destinada ao trabalho e não a descanso e lazer. Ninguém pensa no ser humano, mas iguala-o a uma vaca leiteira melhorada que há viver mais para produzir mais leite e aumentar o lucro de seu proprietário. Em outros termos, pela voz dos economistas oficiais, fomos feitos para trabalhar até a morte sem o direito a viver de aposentadoria por muito tempo.
Isso sem dizer que a maioria dos trabalhadores veem na aposentadoria a oportunidade de continuar trabalhando com um segundo salário para melhorar a mixaria que recebem como aposentados.
Este colunista que nunca frequentou faculdade de economia, nem de contabilidade, prefere qualificar essas famigeradas reformas como jogadas de má intenção dos aboletados nos tronos de comando, a serviço dos interesses econômicos das elites que lhes sustentam à custa de gordas propinas.
Tudo indica que o objetivo dessas reformas não é outro se não acabar com a previdência pública, transformá-la em contas individuais de poupança privada, de mísera rentabilidade e proporcionar aos bancos operadores captação de recursos a ser emprestado sob juros escorchantes. Uma prática claramente inversa à de Robin Hood: tirar dos pobres para dar aos ricos.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. E pensador por opçã[email protected]