Roberto Campos, minhas homenagens

334

Por Percival Puggina*
Final – Ao optar pelo Estado benevolente, ao qual todos recorrem em suas necessidades, garantidor de direitos reais e imaginários, provedor inesgotável, inclusive das mais insaciáveis demandas, o Brasil fez e faz, ao contrário, uma opção fundamental pela pobreza. Roberto Campos foi incisivo: “Ao contrário da mãe das Cartas Magnas democráticas – a Constituição de Filadélfia – que é, como diz o professor James Buchanan, a ‘política sem romance’, as constituições recentes fizeram o ‘romance da política’. Baseiam-se em dois erros. Primeiro, a ‘arrogância fatal’, de que nos fala Hayek, de pensar que o processo político é mais eficaz que o mercado na promoção do desenvolvimento. Segundo, a ideia romântica de que o Estado (…) é uma entidade benevolente e capaz. Essa idiotice foi mundialmente demolida com o colapso do socialismo na inesperada Revolução de 1989/91, no Leste Europeu.”
O Brasil é a própria evidência do quanto foi prudente o ensino de Roberto Campos. Depois que tudo se comprovou errado, nosso país optou por tentar de novo. O PT criou o Foro de São Paulo e, em seguida, providenciou o caos. Teve, contudo, o cuidado de servir-se do bem-estar em primeiro lugar, com garçons de punhos alvos, jatinhos fretados e comprados e amantes distribuídas pelas folhas de pagamento do setor público e empreiteiras corruptas. Foi fácil proporcionar ao país a crise em curso. Bastou optar por Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares na economia, por Paulo Freire na educação, por Lula na política. E, num país católico, claro, entregar a CNBB aos cuidados teológicos de Leonardo Boff. Foi isso que nosso país fez. E tem, agora, a tarefa de desfazer.
Roberto Campos afirmou que a pobreza não pode ser vista como “uma imposição da fatalidade”. Pelo viés oposto, os influentes cidadãos acima mencionados não apenas levaram a sério o livro Veias abertas da América Latina, rejeitado pelo próprio autor, como o transformaram em catecismo didático – para que todos saibam que não somos pobres por conta própria, mas por culpa de ações do hemisfério Norte contra o hemisfério Sul. Com isso, em vez de nos preocuparmos com o mau gerenciamento do capital humano, dele negligenciamos, como apontava Campos. E confiamos a educação da juventude brasileira a uma pedagogia que, em vez de formar construtores do próprio destino, forma militantes para a utopia revolucionária, cujo melhor resultado acontece quando fracassa também nisso.
Por óbvio, quem escapa de tal trampa, provavelmente numa escola privada de padrão bem superior à média geral, vai em frente e sobe aos andares mais elevados da vida social, onde a vista é mais larga e a vida mais promissora. Os vitimados pelo sistema público de ensino se tornam incapacitados (os de língua espanhola usavam, antes do “politicamente correto”, a expressão minusválido que, em sua forma tosca, identifica com boa precisão o que realmente acontece no Brasil). É assim que se explica, ainda que não se justifique, a cristalização da miséria nos porões do país.
No ranking do IDH relativo aos dados do ano 2000, publicado em 2002, o Brasil ocupava o 65º lugar. Passados 14 anos, o ranking relativo ao ano 2014, divulgado em fins de 2015, situava o Brasil em 77º lugar.
A sociedade contemporânea já demonstrou, com excesso de evidências, que a promoção eficiente do desenvolvimento social, sem prejuízo da solidariedade, exige: zelosa formação de recursos humanos, através da educação; inserção dos indivíduos na vida social, política e econômica; segurança jurídica e atividades produtivas desempenhadas em economia livre. Só são contra isso os que têm mais ódio ao materialmente rico do que amor ao materialmente pobre. Cegos pela ideologia, semeiam o que dizem combater: pobreza material e crescentes desníveis sociais. Em meio à saudade, é sempre bom matá-la revisando lições com Roberto Campos.
*Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.