República velhaca: 1985-2015 (Cunha é só um sinal da imoralidade cancerígena)

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1ª parte – Em qualquer país minimamente sério, com uma sociedade civil cidadã não acuada pelo clientelismo nem estruturada sobre rudimentares padrões éticos e de moralidade, a novela Eduardo Cunha (que nos julga idiotas a cada vez que apresenta uma nova versão para sua fortuna na Suíça) já teria tido epílogo em seu nascedouro. Vinte e quatro horas depois da confirmação das contas clandestinas ele já teria sido defenestrado da presidência da Câmara. Em poucos dias já teria sido cassado como parlamentar indecoroso e maligno para os interesses do País e já estaria respondendo a processo criminal, com todas as chances de ir para a cadeia, em regime fechado.
Em lugar de uma resposta à altura das estrepolias feitas por mais esse bandoleiro da República (expressão do ministro Celso de Mello), o que vemos é uma deplorável romaria de veneração, comprovada pela nota expedida por 13 partidos da base do governo petista (PR, PMDB, PSC, PP, PSD, PTB, PEN, PMN, PRP, PHS, PTN, PT do B e Solidariedade – veja Estadão 12/11/15: A1). Certamente, nem sequer os míopes bipolarizados e imbecilizados pela emocionalidade passageira (mas reinante) haverão de negar que, vergonhosamente, até o dia 11/11/15, também o PSDB (simulacro de oposição), além do PT, claro, dava todo respaldo para um bandoleiro da pior escória. Em suma: com tanto apoio a Cunha, pouca gente se salva nessa República Velhada (1985-2015), que deveria ser enterrada pelos eleitores nas próximas eleições.
Quem não está vendo que o poder político-econômico instalado nas entranhas do Estado brasileiro está carcomido pela podridão da corrupção, que hoje representa um câncer que está destruindo o Brasil e seu futuro? Como a sociedade civil brasileira (tão messiânica) não reage duramente contra um estado de coisas que está nos levando para o buraco da falência absoluta? Será que nos acostumamos tanto com a pouca-vergonha que nada mais nos anima sair do anestesiamento geral?
Com base nos veementes relatos do jornalista maranhense João Francisco Lisboa (1812-1863), que também foi político e um dos mais ilustrados historiadores da vida pública brasileira na primeira metade do século XIX (Jornal de Timon, Companhia das Letras, 1995), diríamos (sobre os trinta anos da República Velhaca: 1985-2015) o seguinte: “nos falecem meios para verificar com rigor e exatidão qual era a vida íntima e a moralidade dos nossos maiores” que desfilaram pelo poder antes da redemocratização de 1985. Por não ser o escopo da nossa atenção neste momento, não vamos mergulhar nos detalhes das imoralidades da República Velha (1889-1930), da ditadura civil-militar de Getúlio de Vargas (1930-1945), da República Populista (1945-1964) ou mesmo da ditadura civil-militar de 1964-1985.
Não há dúvida que mesmo nesses períodos anteriores (alguns conhecidos como “rouba, mas faz”) podemos asseverar ou, no mínimo, conjecturar, até com algum fundamento, que neles também havia crimes e vícios, como em todos os tempos e lugares, e que (ao contrário do afirmado por J. F. Lisboa, citado) não eram isolados, ou, mesmo individuais, recatados, comedidos ou mesmo exercitados a medo, nas sombras do mistério. A diferença dos períodos anteriores com a República Velhaca (1985-2015) reside em que, “para cúmulo de miséria, tendo a política comunicado a sua imoralidade a todas as relações civis” [é, deveras, muito nefasto o efeito social deletério da imoralidade pública; também o é o da imoralidade privada, que muitas vezes vai para dentro do Estado], tornou-se difícil separar o joio do trigo em tudo que se relaciona com o poder público patrimonialista brasileiro, que se tornou um midas ao avesso (em tudo que toca macula). Continua.
*Luiz Flávio Gomes, jurista e coeditor do portal “Atualidades do Direito”. Estou no [email protected].