Por Thales Aguiar*
Caros leitores, vivemos uma era de cinismo institucionalizado. A corrupção, outrora tratada como um tumor a ser extirpado, metastasiou-se e se tornou o próprio sistema. Não falamos mais apenas de desvios bilionários em Brasília, mas de uma lógica perversa que infectou o tecido social, o encontro entre cidadãos, o dia a dia. É a corrupção como filosofia prática, onde o “jeitinho” não é mais uma exceção, mas a regra de sobrevivência. O filósofo Thomas Hobbes, ao descrever o estado de natureza, imaginou uma guerra de todos contra todos, onde a vida era “solitária, pobre, desagradável, brutal e curta”. Nosso momento parece uma distopia hobbesiana com roupagens modernas. A percepção de que o Estado e suas instituições, que deveriam ser o Leviatã protetor, são capturados por interesses privados gerando uma descrença generalizada. Se os de cima agem sem ética, por que eu, lá embaixo, lutando para sobreviver, devo ser o paladino da moralidade? Assim, o cidadão, espremido entre a ineficiência do Estado e a pressão por resultados, adota a mesma lógica distorcida para seus pequenos afazeres. Sonegar um imposto, furar uma fila, colar em uma prova, subornar um guarda, vender um produto defeituoso. São microcorrupções que somadas, formam um oceano de desconfiança. Elas não são vistas mais como crimes, mas como esperteza, como uma vitória do indivíduo astuto sobre um sistema injusto. O problema é que essa “esperteza” é autofágica. Ela corrói a confiança, que é o cimento invisível de qualquer sociedade. Não se trata, porém, de equiparar a sonegação do cidadão ao desvio de verbas públicas de um político. Trata-se de entender que ambos nascem do mesmo veneno, a perda do senso de bem comum. O conceito de koinonia (comunidade) dos gregos antigos se esvai, substituído por um individualismo radical onde o outro deixou de ser um parceiro social e virou um obstáculo ou uma oportunidade a ser explorada.
O colapso não é econômico primeiro; é ético. A saída não está apenas na reforma das instituições que é urgentíssima, mas numa revolução cultural. Precisamos resgatar a ideia de que a honestidade não é uma virtude ingênua, mas a estratégia mais inteligente e eficiente para a construção de um país funcional. É uma escolha diária e difícil, que exige coragem para ser o único que não cola, que não furta, que não paga o “agilizador”. É entender que cada pequeno ato de integridade é um voto de confiança no futuro e um ato de resistência contra a lógica do colapso. Parafraseando o escritor russo Aleksandr Soljenítsin, a linha que separa o bem do mal não passa entre países, classes ou partidos, mas atravessa o coração de cada ser humano. Pense bem. De que lado dessa linha estamos escolhendo viver? Esse processo de ressignificação do jeitinho brasileiro é um alerta de que sociedades não desmoronam apenas pela falência de suas economias, mas pela corrosão silenciosa de seus valores. A cultura do atalho e da vantagem individual imediata gera um atraso coletivo permanente, porque mina a base da confiança necessária para qualquer projeto nacional. O desafio, portanto, não é apenas jurídico ou institucional, mas também pedagógico e moral. Precisamos cultivar uma educação para a cidadania que vá além da transmissão de conteúdos e alcance a formação de caráter, mostrando que ética não é ornamento, mas condição de sobrevivência civilizatória. Cada escola, cada família, cada espaço público deve ser palco dessa reconstrução.
O Brasil, ao longo de sua história, sempre oscilou entre momentos de esperança e decepção, mas a repetição desse ciclo não é destino, é escolha. O futuro será escrito pela capacidade de rompermos com a tentação da esperteza e de abraçarmos, mesmo em pequenas atitudes, a construção de uma ordem social baseada em confiança, solidariedade e justiça. Quando o “jeitinho” deixar de ser celebrado e voltar a ser visto como fraude, talvez possamos finalmente inaugurar um novo pacto civilizatório, em que o bem comum seja mais do que um conceito abstrato e se torne prática cotidiana. O caminho é longo, mas é o único capaz de nos tirar da sombra e nos conduzir à maturidade democrática que ainda nos falta.
*Thales Aguiar é Jornalista, Escritor e Especialista em Ciência Política.