Quando o Estado Paralelo venceu a guerra que o Estado Ignorou

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Por Thales Aguiar*

Caros leitores, o que você faria se, ao sair de casa, não visse a bandeira do Brasil, mas a cor de uma facção? Se o imposto que você pagasse não fosse à Receita Federal, mas a um homem armado? Esta é a realidade brutal para milhares de brasileiros. Enquanto a sociedade discute os sintomas, o câncer metastatizou. O Estado paralelo não é mais uma ameaça futura, é uma administração criminosa presente, ativa e pior, vitoriosa.  A culpa é difusa, mas não é coletiva. É uma falha catastrófica e consecutiva do Estado. A culpa é sim do poder público. Políticos tratou por décadas a segurança como política de ocasião. Uma operação espetaculosa para as câmeras, mas sem a estratégia contínua de um general. Legisladores presos a um moralismo seletivo, engaveta projetos que ataquem o crime organizado em seu cerne financeiro e, ao mesmo tempo, não investe massivamente em inteligência policial. Um judiciário por vezes tão lento e burocrático, que se torna na prática, cúmplice da impunidade. E de fato, culpa da sociedade que muitas vezes olha para as favelas e periferias, como um planeta distante, um problema “deles”, até o dia em que o assalto, o sequestro relâmpago ou a bala perdida lembra que o território perdido lá, será, inevitavelmente, o território invadido aqui.

Essas organizações são entidades terroristas domésticas. O termo “tráfico” ou “milícia” já não dá conta da sua complexidade. O terrorismo se define pelo uso da violência para coagir e intimidar uma população, impondo um controle social e político. O que é, senão isso, a imposição de toques de recolher, a cobrança de “taxas” pela luz, pela água, pelo simples direito de morar no próprio lar? Eles não disputam apenas o tráfico de drogas, disputam o monopólio da força e da soberania. E estão ganhando.

Exige uma estratégia de guerra, mas uma guerra inteligente. O crime é uma empresa. Enquanto o Estado prender o “soldado” na esquina, o “CEO” continuará reinvestindo os lucros. É preciso uma força-tarefa nacional para rastrear, bloquear e confiscar cada centavo do patrimônio ilícito. Rastrear as bitcoins, os imóveis de fachada, as empresas de lavagem. Onde a polícia entra, o Estado deve entrar em seguida. Não adianta uma operação relâmpago se não for seguida por postos de saúde, escolas de qualidade, creches, programas de emprego e iluminação pública. O vácuo de poder não pode persistir. O Estado precisa ser mais desejado que o criminoso.

Investir massivamente em infiltração, interceptação telefônica de alta tecnologia e cooperação internacional. Saber quem manda, como manda e por onde o dinheiro flui é mais importante do que trocar tiros. As prisões são hoje as universidades do crime. Manter um líder em uma cela comum é dar a ele um escritório com internet e telefone celular. O endurecimento de penas deve vir acompanhado de um sistema penitenciário que isole os chefões e recupere os recuperáveis. A saída é possível, mas exige uma coragem que nossa classe política há muito não demonstra. Exige que enxerguemos o inimigo pelo que ele é: não um “bandidinho”, mas um projeto de poder armado que cuspiu na  Constituição e está erguendo a sua própria escrita com balas e sangue. Ou agimos agora, com a urgência de quem está na beira do abismo, ou nos prepararemos para explicar aos nossos netos como perdemos pedaços inteiros do nosso país sem disparar um único tiro em sua defesa. Enquanto isso for “um problema deles”, continuaremos alimentando o monstro que um dia baterá à nossa porta, não para vender drogas, mas para cobrar o preço.

*Thales Aguiar – Jornalista e Escritor / Especialista em Ciência Política.

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