Qualidade, excelência e santidade

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Por Percival Puggina*
Final – A propósito – e poderia dizer paradoxalmente – ainda não encontrei alguém que proclamasse, a respeito de seu trabalho e de sua atividade profissional, coisa do tipo “eu sou incapaz”, “só consigo fazer malfeitas as tarefas que me são atribuídas”, ou “não me peçam nada melhor porque só sei fazer, mesmo, essa droga que aí está”. Ora, se como regra geral somos caprichosos, se nos empenhamos na qualidade do que materialmente fazemos, se nos ocupamos em projetos de Qualidade Total e de Excelência Empresarial, donde vem esse abandono coletivo da perfeição pessoal e da santidade?
Nada contra a qualificação técnica, o zelo pelo que seja material e o empenho em produzir bens e serviços de elevado padrão (aliás, tudo a favor), pois há nisso um conteúdo ético importante que se expressa no respeito ao próximo (consumidor, cliente, colaborador, etc). Mas, não me parece coerente que, no contrapelo, as pessoas se satisfaçam com muito menos do que isso quando se trata de valores e das virtudes que os exaltam. Principalmente porque não há outro caminho para a felicidade de todos e de cada um. Deveria ser – e é! – tão possível buscar a santidade quanto perseguir a qualidade em tudo que materialmente fazemos. A santidade é a ISO 9000 da alma humana, certificada, não por alguma instituição externa, mas por uma profunda e justificada felicidade interior.
Suponho que a estas alturas o leitor atento deve estar-se indagando sobre as razões da contradição cujas evidências aponto. Julgo que elas possam ser assim resumidas: a) sociedade contemporânea acentuou e agravou a milenar confusão que o agir humano tende a estabelecer entre satisfação e felicidade; e b) a Igreja Católica parece, a muitos, identificar santidade com “privação”, “mortificação”, “sacrifício”, “penitência” e outros desprazeres que a natureza humana tende a repelir veementemente.
Quanto ao primeiro item recomendo a leitura da excelente obra de Paul Poupard, “Felicidade e Fé Cristã”, em boa hora editado pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural. Há uma estreita relação entre os “goodfinders” de quem fala o autor (pessoas capazes de encontrar o bem noutras pessoas e situações da vida) e aqueles a quem eu, aventurando-me a um trocadilho em idioma estrangeiro, chamaria “godfinders” (pessoas pertinazes em buscar o Bem). Essa busca habitual e firme do Bem – que o Catecismo da Igreja Católica identifica como característica fundamental das virtudes humanas – é condição inafastável da felicidade e da santidade. E não é por coincidência! Fomos criados por Deus para as duas coisas, sendo impossível conceber, no Plano de Deus, uma Criação para a infelicidade e para o vício, ou que nela se possa encontrar a felicidade no vício ou, ainda, que nela coincidam a infelicidade e a virtude.
Tenho absoluta certeza de que essas últimas afirmações fazem absoluto sentido para qualquer leitor bem boa vontade. Como resulta difícil, mesmo assim, acionar os mecanismos internos que nos poderiam levar ao Reino “que já está entre nós”, desassociando felicidade de satisfação e compreendendo que a parafernália de confortos e prazeres de que nos podemos cercar são apenas “coisas boas” mas o Bem está noutra parte! Obviamente não basta entender que satisfação é o estado de espírito de quem encontrou ou usufruiu de alguma “coisa boa” (agradável aos sentidos) e que felicidade é o estado de espírito de quem encontrou o Bem; assim como não basta saber que nem tudo que é bom faz bem para que as pessoas passem, prudentemente, a evitar os males contidos em certos bens e a desfrutar com temperança dos prazeres da vida.
*Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.