Português do Dia a Dia

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Você comete algum vício de linguagem? Se o que lhe tem acontecido nos últimos dias constitui repetição ou redundância similar a estes exemplos, quando você imita o modismo “E aí, o que acontece? Entendeu? Tipo assim…” e outras banalidades repetidas exaustivamente, então, sua fala está eivada de vícios de linguagem.

O cara chega e diz para Joãozinho, que é seu amigo de há muito: “ – Joãozinho, vá ali para mim. Siga esta rua até o final; quando chegar lá, vire à direita; adiante, há uma praça; vire à esquerda, e cem metros depois, em linha reta, há um prédio verde; ao lado, um boteco chamado “Bar dos Otários”, e ali está um cara gordo, alegre, comumente sem camisa, chamado Pafúncio. Entregue a ele este documento”.

Joãozinho fica espantado. Como vai chegar ao local? E por que o cara não escreve ou lhe mostra um mapa? Mas não existem caneta ou papel nem mapa, e Joãozinho também não sabe ler. E agora?

Para bom comunicador, o cara tem que perguntar “Você entendeu, Joãozinho?”, na mais perfeita interlocução em momento assim. Nesse caso, o “entendeu” não constitui uma linguagem ruim, redundante ou repetitiva. É necessária.

Fora desse contexto, em todo momento, vê-se por aí o cara que, mal vai contando uma história, fala e repete “Entendeu?” “E o pai viajou e foi atropelado.” “Entendeu?” E a PM chegou e prendeu o cara. “Entendeu?” Ou: “Oh! Meu Deus! Meu filho não é envolvido com droga! Entendeu?”

Os repetecos são muitos: “Né? Então… Tipo assim. E aí o que aconteceu? Eu saí com ela. Tipo assim, um mulherão. Fomos ao motel. Tipo assim. Fizemos aquilo, (ou como diz o palhaço Tiririca (o deputado, não!), “coisamos”. “Tipo assim: Ela ficou me amando…” “E o que aconteceu? Fui embora, ela foi pra casa. E eu não tenho nada com isso.”

Essas repetições empobrecem a linguagem, que poderia ser simples, o modelo “feijão e arroz”, mas suave e sucinta. Contar a história e não dar muita volta nem querer imitar o outro, nem copiar a fala dos sabidos. Ser você e pronto.

Certo locutor disse que “O animal lambeu o mel derramado com a língua”. E iria lamber com quê? Trata-se de um pleonasmo vicioso, como o modelo que muitos usam “O sistema saiu fora do ar”. Ou saiu do ar, ou está fora do ar. Nada mais. Claro que o autor poderia ter dito “O animal lambeu o mel derramado com a língua ferida”. Assim tudo bem: mesmo com a língua ferida, conseguiu lamber o mel, dando ênfase ao que diz: trata-se de um objeto direto cognato, que enfatiza o dizer. Pense nisto: “Vi com estes olhos que a Terra há de comer, pleonasmo literário, muito repetido em Gramática. Sonhei um sonho real. Dormi um sono tranquilo. Comi uma comida quente. Falei uma fala modesta e convincente.” Neste momento, nem vale mais citar “Que ela saiu para fora”.

Existe também a famigerada metáfora desgastada, frase do domínio público que o “escritor” usa para enfeitar seu texto, não exatamente sua, mas para dar aquele impacto de grandiosidade, de criatividade supimpa, o que acaba empobrecendo, ao invés de enriquecer sua visão de mundo. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. A esperança é a última que morre. Até a estrambótica frase do ex-Presidente petista (O brasileiro não desiste nunca…) poderá tornar-se uma metáfora desgastada. Aliás, vi um comentário que metáfora desgastada seria apenas um tipo de catracrese, como “Ele embarcou no avião”. Não precisa de muita explicação: por falta de termo próprio, usa-se embarcar até no cavalo, quando embarcar seria somente no barco.

A metáfora – emprego de uma palavra, ou expressão, em sentido diferente do normal por analogia ou semelhança – constitui um grande recurso estilístico, e deve ser usado com abundância, desde que não se copie a lavra alheia. “Esta cantora é um rouxinol”, de um dicionário, cuja analogia é a maviosidade. Mas o cara, pouco sóbrio, poderia dizer a sua suposta amada: Você, querida, é o Sol que ilumina a minha vida. Metáfora por conter a analogia de que ela seja a luz, como a do Sol, que norteia os passos de sua vida não tão maravilhosa. Se fosse já iluminada, não precisaria de luz nenhuma. Concorda? A vida dele está escura.

Coluna anterior: Proibida a cata e venda de caranguejos até abril. Não seria “Proibidas a cata e a venda de caranguejos até abril”? Decida isso. Resposta: a frase está correta, porque “proibida”, adjetivo, concorda com o termo mais próximo. Poderia ser: “Proibidas a cata e a venda de caranguejos até abril”, isso para evitar que um mau pensador achasse que somente a cata estaria proibida, e a venda, não.

Pegadinha: A expressão “em até…” (Parcelas em até dez vezes), muito usada no comércio, seria um vício de linguagem? Decida. Não a vejo como tão notória para ser repetida como vem sendo.

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Divulgação dos livros de João Carlos