A discussão sobre o uso da Língua Portuguesa (o culto e o popular) é um melindre: agrada a uns e desagrada a outros. E pode não convencer a todos. O saber fazer isso e convencer é tarefa hercúlea. Tenho tentado, há anos, e ainda estou no meio do caminho. O que me espanta é quando o “erro” parte de pessoa que seria culta, que tem a obrigação máxima de respeitar o nosso vetusto idioma. Aliás, por uma questão de eufemismo, nem chamo a isso de erro; seria lapso ou deslize linguístico. O certo é que estão maltratando em excesso a pobre Flor do Lácio, como a chamou nosso Bilac. Tenho perdoado, de montão, o homem que tem dificuldade de escrever o próprio nome e fala “arrecardar”, mas não perdoo, embora fique calado, quem usa em propaganda “Passa lá e confira”. Como se sabe, o verbo da primeira conjugação tem sua vogal temática em E no imperativo: passe, ame, cante, leve (na terceira pessoa do singular); e confira, sim, como verbo da terceira conjugação, assim como se usa “fira, parta”. Corrigir o enunciado para as duas formas verbais estarem corretas demanda muita explicação. Resumindo: Passe lá e confira (você). Passa lá e confere (tu), este pouco usual, porque o tratamento nosso, sob uma luz correta da Língua, não é o “tu” cotidiano, mas o “você”, com todas as maneiras de se expressar.
Nesses dez anos, tenho lido com abundância o hebdomanário A Gazeta, de Vitória, ES, excelente jornal, embora linguisticamente cometa – conforme o redator – alguns lapsos, o que não o desclassificaria como bom jornal diário. Hebdomanário é termo arcaico? Usei-o corretamente? Não o usei de forma correta, não por ser termo de pouco uso, embora pareça ser chique. O jornal é diário, portanto, não pode ser hebdomanário, mesmo que indique um periódico. Hebdomanário é semanário, por isso, mais uma vez, o termo não ficou bem. O cavalo é “pintado de preto e branco”? Pintada é a vaca. O cavalo, como viu a repórter na exposição agropecuária, é pampa – não a referência à região de planícies da América do Sul caracterizada pela cobertura vegetal herbácea (pradaria), definição de um dicionário que carrego no ombro todos os dias; pampa “refere-se à pelagem do cavalo onde o branco, em grandes manchas, se justapõe a extensas manchas de outra cor, que pode ser o vermelho, o rosilho ou o preto; malhado” – continua meu belo companheiro. Aliás, eu não diria “onde” (acima), mas “em que” ou “na qual”. Ou completaria: cujo branco se justapõe a…
Sendo um pouco mais suave, o erro acontece graças a nossa estranha e doentia pressa do dia a dia (só para rimar). Por que tanta pressa? Assim apressados, confundimos “Menção honrosa” com “Monção” honrosa, e a monção pode trazer honra? Disse um texto que o dedo da criança foi decapitado – decapitar é degolar, cortar a cabeça. O dedo da criança foi decepado. Quando criança – aí não seria pressa, mas falta de conhecimento – usaria eu, como me disse uma colega, “ponhava” em vez de “punha”. Punha, para um pouco letrado, é difícil. Já usar um composto do verbo por, flexionado “Ele não dispunha de recursos financeiros para construir sua casa, por isso financiou uma pela Caixa”, fica mais fácil entender… Não concorda?
Mas quanto ao grandioso jornal A Gazeta, capixaba, fiquei feliz e honrado como professor de Português quando li o Editorial da edição de 04 de janeiro de 2012 – anteontem, com a manchete “A luta dos jornais para errar cada vez menos”. Parabéns. Reconhecer o erro é fundamental para a credibilidade. Só que ainda não vi em abundância jornais reconhecerem deslize linguístico gritante, como aquele que disse “A moça quebrou a coluna serviçal”, referindo-se a uma queda na escada. Confundir-se cervical com serviçal é meio pesado. O jornal de que falo, então, lembra o falecimento do jornalista e escritor, ocorrido recente, Daniel Piza. E citou: “Também no domingo, o Estadão publicava, no caderno “Domingo”: “O colunista, que escreve aos domingos neste espaço, está de férias”. Entendi que teria falecido. “O cochilo é universal, o antídoto é assumi-lo”, diz Alberto Dines a respeito do episódio…”, complementa o Editorial. Isso é profundo e digno. No final, aparece o trecho: “O controle desses erros, alerta Pexton, é algo a ser buscado ao longo deste ano. Cochilos ocorrem, como disse Dines. Mesmo com craques como Daniel Piza. Certa vez, na folha de S. Paulo, ele deixou escapar que Jesus Cristo morreu enforcado. É um dos “Erramos” mais famosos da história da Folha”. É fantástica a leitura dessa mensagem em um jornal. Aliás, ao ter usado eu “falecido”, não seria “morrido”, como querem alguns manuais de redação? Volto depois com outros brados, que não são tão retumbantes assim, mesmo com o cacófato que acabou de surgir. Um abraço.
Coluna anterior: Como você escreve pólen ou polem? Hífen ou hifem? Glúten ou glutem? Por que a primeira grafia está com acento gráfico e a segunda, não? Ítem, com acento, ou item? Existe “ítens” (acentuado), como muitos usam? A lembrança advém do comentário acima: IM e não IN, mas esse caso nada tem a ver.
Resposta: a regra é simples: o vocábulo paroxítono terminado pela consoante N é acentuado graficamente, isto é, leva acento gráfico. Por isso, a grafia pólen, hífen, glúten, íon. Já o plural – ele deixou de terminar por N – não leva acento gráfico. Polens, hifens, glutens; mas íons, sim, para não se confundir com termos oxítonas como bombons, batons. Portanto, item nunca teve acento, já que é terminado por M; nem itens, por estar no plural.
Pegadinha: analise o enunciado “Isso que você fez com o cachorro é desumano”. Quem é desumano, o cachorro? O ato? Desumano não seria aquilo que acontece, de forma incorreta, com o humano? Seria um ato canino? Melhor: é crime.
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Divulgação dos livros de João Carlos