Por João Carlos de Oliveira
O que é dislexia? O próprio disléxico tem conhecimento do seu problema? Ou alguém tem que lhe dizer o que acontece, para haver pelo menos uma correção amena?
Na definição mais simples, como está no dicionário, dislexia é a dificuldade de alguém em ler e compreender as palavras. Muitas vezes, a pronúncia vem com letras trocadas ou incompletas, a que se chama que o fulano tem a língua ‘pregada’. Há ainda quem chame o disléxico de “foém”. Essa taxionomia existe? A Fonoaudiologia dá a denominação de ‘fanho’ àquele que fala de maneira muito nasalada, isto é, ‘pelo nariz’. A pronúncia é quase incompreensível. Isso não é exatamente dislexia, mas se associa à dificuldade de pronunciar corretamente os vocábulos.
Dando aulas, recebia redações de estudantes que escreviam, entre outras pérolas, “Ele é um sato”, para dizer “Ele é um santo”. Note que nesse momento o jovem falava corretamente e escrevia de forma estranha. Essa dificuldade, ora de falar, ora de escrever, é muito encontrada em pequenos avisos nas lojas pelo Brasil afora.
No lugar de feminina, encontra-se ‘calça femina’, sem que se perceba o engano, a não ser que alguém o mostre. Vem o atendente e lê correto o que escreveu errado. É curioso. Como se pode analisar isso? Uma explicação seria o fato de pouco se escrever, e quando se escreve, aparecem as grafias inusitadas.
Até se troca arrecadar por ‘arrecardar’. O falante não percebe que criou um vocábulo novo. O dicionário nos explica o que é deserto – árido, o terreno em que, de tão seco, com muita areia, a possibilidade de vida no local é quase remota. Entretanto (entende-se que de um vocábulo se passa a outro), se a pronúncia e a grafia de ‘deserto’ saírem ‘diserto’, temos um parônimo – cuja grafia e pronúncia se parecem, mas a semântica é outra (o significado de ‘diserto’ é elegante – Rui Barbosa tinha um discurso diserto). Eloquente, elegante, seguro.
Outro dicionário, que aprofunda mais o assunto, diz que dislexia é a dificuldade na aprendizagem da leitura caracterizada pela confusão e inversão de certas letras. Assim, o falante que quer usar “A faca está amolada”, entende-se que no lugar de faca ele disse vaca. Tem-se um disléxico em potencial. Bode vira pode, com uma série de palavras trocadas, na maioria entre as que possuem as consoantes T, D, B, F, V.
A partir de… Mesmo modelo de “A começar de…”, semelhante ao uso das locuções verbais ‘a dizer, a fazer, a ter, a chegar’ etc. Mas ‘a partir de’, em muitos anúncios, aparece ‘apartir de, aparti de’, e até ‘apatir de’ ou ‘apati de’. Não se tem nesse exemplo o caso típico da dislexia? Por que acontece? Por que o alguém tem a língua pregada, é fanho ou não tem hábito de escrever? Só um treinamento para se obter a correta resposta, mas, certamente, faltam leitura, consulta, escrita e muito treinamento ortográfico.
Nesse campo, entram os exemplos da troca de fonemas – planto vira pranto, blindar vira brindar, bloquear vira ‘broquear’ etc. Todos os vocábulos estão corretos, a depender do contexto. No lugar de brindar um feito, políticos há que ‘blindam’ os colegas corruptos e corruptores para não serem denunciados pela Lei.
Uma senhora vendendo a quitanda de sua produção anuncia: “Vede brazinha”. Entende-se de imediato sua mensagem, fazendo-se o traslado: Vede é de vender (vende) e brazinha vem de brasa. Se o primitivo é escrito com S, assim deve ser o derivado – brasa gera brasinha. Se o primitivo é escrito com Z, assim deve ser o derivado – prazo, aprazado, aprazar. Se o primitivo não tem S nem Z, seu derivado tem uma nova visão gráfica. De ameno forma-se amenizar, e daí para a frente uma série da mesma família etimológica – amenizado, amenizando-se, amenizador etc. A escrita ‘vede’ – que é ‘vende’ – constitui uma dislexia.
E assim vamos vivendo o dia a dia do nosso idioma, ora maltratado, ora visto sob o prisma de uma faceta popular, comparável ao nível culto ou erudito. O que se sabe em Linguística é que todos esses aspectos fazem parte do idioma, por isso, aprendemos também com as diferenças.
João Carlos de Oliveira, professor jubilado, formado em Letras, com especialização em Língua Portuguesa; advogado, pós-graduado em Direito Civil, membro-correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (de Cachoeiro de Itapemirim, ES), poeta, cronista, colunista linguístico. Acesse www.clubedeautores.com.br, e adquira ‘Em cada canto’.