Português do Dia a Dia (27 de julho/2014)

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Você já tentou evitar o vício de linguagem de repetir um termo? Quando não se tem esse dom, os pleonasmos são abundantes, e tornam a linguagem redundante, feia, repetitiva… E cansativa. É preciso que haja algumas técnicas para se dominar a não-repetição de termos. O cuidado para se evitar o pleonasmo torna-se uma qualidade da boa linguagem mais tarde. Vamos tentar alguns exemplos.

“Dinheiro para mim nunca foi preocupação. Também, nunca o tive!”

Pense em frases assim – esta não estava no script modelado para este artigo –, que podem ajudar a você. Treine. Treine.

Em Português, o termo usado no lugar de outro, que não deve ser repetido, é chamado “vicário”, que facilmente pode ser encontrado nos bons dicionários, seguido de exemplos de frases. “Você já completou o trabalho? – Não! Também, não estava com tempo e vontade. Por isso, ainda não o fiz!”

O verbo vicário é definido como “o que se emprega para evitar que se repita outro verbo anterior usado na mesma frase”. Deu para entender? Existe um verbo, que é a base da frase verbal (diferente da frase nominal, aquela que não contém verbo), e este não deve ser repetido. Você usa um diferente (na segunda parte da frase), o qual é chamado de vicário. A frase fica bonita, elegante, culta, charmosa. “Esperava procurá-lo, mas não o fiz”, tirada do dicionário Melhoramentos, em que o termo vicário aparece bem explicado.

Não é demais repetir – vicário é o que substitui, que faz as vezes de… 1. Não fui à roça,tampouco quero fazê-lo. 2. Não tenho relacionamento com você, e não quero fazê-lo. 3. Nunca almocei neste restaurante, e não é de minha vontade fazer isso.

Basta, não? Agora, crie as suas frases.

Uma manchete de jornal diz “Marido mata ex-mulher”. A frase é ruim. Se ela lhe é a ex, ele também não é o marido dela, é seu ex-marido. Como evitar isso? Usar duas vezes o prefixo ex – Ex-marido mata ex-mulher. Mesmo repetido, é necessário para se evitar a dúvida. A redundância aqui não é pecado; é necessária. A não ser que se diga, para o caso acima, “Homem mata ex-mulher”. Existe uma frase quase pronta muito repetida: “Ela já foi minha ex”, diria o cabra-da-peste muito orgulhoso diante do ouvinte de ter sido ‘o amado’ daquela “furmusura”. Não é que o “caba” cometeu um delito linguístico! Se ele usou “foi”, não precisa mais de “ex”. Um termo elimina o outro. “Ela é minha ex-companheira.” Agora, sim, a frase é boa. Ou que diga – “Ela foi minha companheira.” Ela é a ex dele. Alguns usam “exe”, com pronúncia forte. Não há necessidade de tanta ênfase. Também, não é ideal que se escreva “ês”.

Lendo uma reportagem sobre animais em risco de extinção – que não matem nossa ararinha-azul no Raso da Catarina! (aqui na Bahia) –, encontrei a frase “Uma pesquisa que foi feita sobre as abelhas na Natureza”. Ué, cara! Onde é que ficam as abelhas? Mesmo que estejam criadas comercialmente em cortiços, elas estão na Natureza. Isso é redundante. O mesmo caso me machuca quando o veterinário, o biólogo, o zootecnólogo, ou paraprofissionais na área da Biologia, dizem que o animal foi tirado de “seu habitat natural”. Existe habitat artificial? Existe moradaartificial, não habitat? Existe zoológico, e similares, e eles nunca são o habitat de certos animais confinados ali. Aliás, por que prender leões, por que aprisionar animais que só vivem bem livres?

Uma frase que também me preocupa é o médico (geralmente, o obstetra) dizer que sua parturiente sofreu aborto espontâneo… Como? Espontâneo é o que é praticado de maneira volitiva, isto é, você o faz por que o quis fazer. (Existe aqui um termo vicário?) Então, se a mãe não quis praticar o parto forçado, como ele foi ‘espontâneo’? Para mim, estão confundindo o natural como o espontâneo, e nem sempre os termos são sinônimos. É espontâneo que eu vá ao cinema. É natural que, no parto, logo após, haja a saída da placenta. Aborto natural, para mim, é uma coisa; o espontâneo é aquele clandestino, que, para esconder uma gravidez, retiram e mantam o feto. Isso é crime. Aliás, o Brasil é campeão em uxoricídio – o ato de esposos matarem as esposas, como em infanticídio – a matança de bebês, no útero ou fora dele.

Certa emissora de TV, ao colocar legenda em Português, em seus textos de novelas ou filmes, usa em abundância “que” com acento circunflexo. Este exemplo serve de ilustração – “O quê ele disse não é verdade!” O termo ‘que’ só pode ser acentuado graficamente quando está sozinho na frase ou no final dela. “O quê?” “Ele disse isso não sei por quê”. “Quê! Você fez isso?”A frase citada como exemplo é igual a milhares de outras, e assim devem ser escritas: O que ele disse não é certo. O que você disse? Diga o que você quiser, que isso não me vai convencer.

Observa-se que, chegando a cidades, há a mensagem “Sejam bem vindos…”, sem o hífen exigido no vocábulo derivado, que é um adjetivo composto. Sejam bem-vindos. Aliás, seria ideal no singular – porque cada cidadão toma para si o sentido da mensagem (Seja bem-vindo). Assim como se diz ‘bem-quisto’, ou benquisto, bem-visto, bel-prazer, bem-humorado etc. Embora se diga ‘benfazejo’. Chama a atenção, em caso parecido,o uso de ‘malfeito’, mas aparece ‘mal pago’, que deveria ser ‘malpago’, malajambrado (mal-ajambrado, como está no dicionário?), malsucedido etc.

Um abraço.

João Carlos de Oliveira, professor jubilado, formado em Letras, com especialização em Língua Portuguesa; advogado, pós-graduado em Direito Civil, membro-correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (de Cachoeiro de Itapemirim, ES), poeta, cronista, colunista linguístico. Acesse www.clubedeautores.com.br, e adquira ‘Em cada canto’.