Português do Dia a Dia (27 de abril/2014)

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Já de início, vamos a uma expressão popular – desculpem-me por isso! – ‘desceram o pau no senador Aécio Neves’ por ter divulgado um texto em que havia “tem” no lugar de “têm”. Vamos defender o homem: os lapsos acontecem. Houve correção? E se houve, ficou batido esse engano? E mais dois fatores: ou o primeiro, a falta de conhecimento; ou o segundo, a informação falsa de que a Reforma Ortográfica aboliu o acento circunflexo para esse caso.

Não se sabe se foram o desconhecimento e/ou o lapso o motivo do erro, mas o acento existe há muito tempo – a partir de uma reforma ortográfica ocorrida em 1943, refeita em 1971, cuja explicação se baseia no acento diacrítico – usado para diferenciar classe gramatical (verbo de substantivo, por exemplo) ou singular de plural. O comêço, eu começo.

Quanto à classe gramatical, é (foi) interessante se explicar que “fora”, pretérito mais que perfeito dos verbos ir e ser, teria acento gráfico (o circunflexo) para perfeita distinção da forma verbal (fôra) do advérbio ‘fora’. Hoje, o acento é desaparecido, mas a pronúncia continua – Fora os baderneiros. Fora, já! (pronuncie corretamente) – som aberto. “Ele fora para São Paulo”, do verbo ir. Som fechado (pronuncie corretamente).

Esses casos têm causado muitas dúvidas. Aliás, brinquemos um pouco – a Gramática não aboliu o acento gráfico de “dúvidas”, substantivo, que o diferencia de “duvidas” – Tu duvidas deste professor?, (forma verbal). Veja acima: pronúncia, substantivo; ele não pronuncia corretamente (forma verbal). No momento da digitação, o computador, por mais programado que esteja, não corrige essa falha – pois existem os dois termos. Ele continua calado – do verbo continuar, sem acento. Sua vida contínua centrada na droga vai levá-lo à morte.

São muitos os exemplos. O que está abolido definitivamente é o trema – tranquilo (sem que você diga “tranqilo”). Essa grafia, se você digitar sem o ‘u’, o computador corrige. Outras, não; ou nem sempre.

Acabou o circunflexo de voo, coo, perdoo etc. Antes se usava “côco” para diferenciá-lo de “coco”, de gonococos. Hoje, não. E cuidado – cocô, infantil ou não, continua com o acento gráfico. Não diga “O menino fez coco”, que fica errado. Nem diga “Temos sorvete de cocô”, que também assustaria. O elemento ‘cocos’, no plural, que indica doenças, não é mais acentuado, “cócos”, como acontecia.

‘Por fim’, existe mesmo a obrigatoriedade de uma correção em jornais, livros, revistas, periódicos, panfletos etc. Todo escrito que for levado a público precisa de cuidados gráficos. Aliás, a expressão ‘por fim’ me assusta – Por fim, ele apareceu! (finalmente). Eles vão pôr fim à sociedade conjugal. Note que precisa haver o circunflexo para diferenciar sentidos, e não estão usando. O mesmo caso de pôde e pode. Ele pode vir aqui (agora)? Ele não pôde vir (ontem). O acento já diz a diferença; uma pronúncia é aberta; a outra, fechada.

E o erro do senador? É que certas formas verbais necessitam de acento gráfico para diferenciar o singular do plural: Ele tem sorte. Eles têm sorte. O menino tem um carrinho. Os meninos têm bicicletas. A mesma coisa de ‘ele vem, eles vêm’. A garrafa contém água. As garrafas contêm água. O caso de ‘contém, contêm’ é ainda necessário para não confundir com a flexão do verbo contar – Espero que todos contem a verdade. Só o circunflexo de veem, deem, creem, leem, caiu. No singular (vê, dê, crê, lê), continua. Não diga ele gosta de ‘lê’, mas… gosta de ler. Ele vai ler. Ele pode estar aqui amanhã. Ele está aqui agora. Esta casa aqui é ampla.

Após isso, conclui-se que o professor que não explica a diferença entre ‘A menina é sábia, que ela não sabia nada, que o sabiá canta bonito’ está deixando seus alunos desinteligentes. Isso é necessário. Qualquer outra desculpa indica falta de conhecimento linguístico. A metodologia moderna vem causando dúvidas.

Note também isto: sede, do verbo ser, que está na Bíblia “Sede justos”; sede, desejo de se beber água – O retirante teve muita sede na viagem (sem o líquido precioso veio a morrer); e sede – o centro, a matriz. O fazendeiro mora na sede ( ´ ) da propriedade. A loja tem sua sede em São Paulo. Uma grafia, duas pronúncias e três sentidos: antes ‘sede’, verbo, com pronúncia fechada, era ‘sêde”; o desejo de se tomar água, ‘sede’, (também fechado), sem acento; e ‘sede’, a matriz, de pronúncia aberta até hoje, ‘séde’. Nenhuma grafia moderna é com acento gráfico.

Também é erro se escrever – Por si as pessoas devem ser responsáveis. Se se usa Ele está só, nós estamos sós, assim as pessoas, por si sós (sozinhas), devem fazer isso ou aquilo.

Para terminar, acho interessante que pessoas usem palavras ou expressões poéticas para indicar o nome de fantasia de seus estabelecimentos comerciais – Flor de manacá, Açucena, Topázio. Que nomes bonitos. Parabéns. Casa joão-de-barro (alô, Gildásio, em Itanhém). Outros colocam nomes sofisticados, atendem mal, vendem produtos caros e ruins, e ainda querem crescer. Como?

Um pingo pode fazer diferença – querela, em Direito, é questão judicial, contenda, lide, disputa. Uma denúncia feita em juízo. Por isso, o advogado diz que fulano é querelante. E quirela – que diferença! – um pequeno fonema, é milho quebrado (parte mais grossa, que não passou na peneira) para dar aos animais. E ‘querê-la’, lógico, é ‘querer ela’ aqui, agora! Venha, meu amor!

Um abraço.

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