O ato de praticar ‘palavras cruzadas’ é salutar. Nunca o desisti de fazer. Em Nanuque, professor do Colégio Municipal Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (nome pomposo), em homenagem ao baixinho de Mecejana, CE, cheguei a fazer rodadas e mais rodadas de atividades ‘cruzadex’ com jovens de 6ªs. , 7ªs. e 8ªs. séries. Foi um sucesso. A editora Ediouro, dona desse filão, costumava ofertar-me algumas revistas mais simples e de fácil resolução. Foi uma fase boa. Oxalá! Meu Pai, Saravá!, eu tenha contribuído para esse hábito. Como disse, ainda, não o abandonei.
Feliz o homem que lê, pensa e escreve. Essa prática é a entrada para uma visão benfazeja sobre o mundo.
Em um dos livrinhos que usei esta semana, da Ediouro, coordenada pelo editor-chefe Daniel Stycer, como consta do sítio www.coquetel.com.br, por sinal merecedor de louvores pelos trabalhos apresentados – parabéns, mestre! –, encontrei o termo ‘opíparo’, sinônimo de lauto, faustoso (algo como feliz, venturoso). Trata-se de um momento mágico, quase feérico, viver vocábulos quão exóticos, diferentes, que nos remetem a um mundo de cultura – antigo, recordando-o, ou novo – uma situação neoclássica nesta vida turbulenta.
Se estou saindo do padrão, perdoe-me o sagaz leitor, como diz uma escritora capixaba, pois a intenção é ovacionar os livretos de palavras cruzadas e criptogramas. São de bons a ótimos.
Foi nesse mundo que passei a conhecer o vocábulo ‘vegano’, para indicar o vegetariano de corpo e alma, que considera o sacrifício de animais uma aberração humana, e eles, segundo dizem, não se alimentam nem de derivados que contenham vestígio, um fiozinho sequer, de carne de animais. Não sei se o leitor concorda, mas não aprendi ainda se esse vegano também rejeita a carne de peixes, de água doce e de água salgada (assim chamados no popular), e dos chamados frutos do mar (mariscos, moluscos etc.). Esses seres também são alimentos ‘carnais’.
Na página 5 desse livro, Criptograma nº 287, há a palavra ‘enargia’ (não se trata de energia), e significa “descrição precisa no discurso” (sic), que caracterizaria o orador como sucinto, abreviado, desde que não seja lacônico.
Adiante, aprendi que existe uma planta ‘carnívora’ (alimenta-se de insetos) chamada ‘Drosera’, lembrando o nome de dinossauros e outros bichos do longínquo período histórico. Em um momento, o texto lembra que os invasores de Roma, a antiga de Nero e outros déspotas não-esclarecidos, foram chamados ‘bárbaros’. Pergunto se não os temos nos dias atuais aqui no Brasil? Cada um dará sua resposta.
Que tudo que vem do interior do organismo se chama ‘endógeno’, assim como o miolo de uma pera é o endocarpo. Quer dizer que, quando se vomita, esse ‘vomito’ (o vômito, na linguagem popular), é um endógeno? A bílis é endógena? O suco gástrico é endógeno? Atuo como se não houvesse dicionário para se fazer consulta. Sou um garoto que não tem qualquer material e depende do professor para responder a suas curiosidades.
Mas, de quando em vez, aparecem expressões duvidosas. Numa crônica, a autora usou ‘entumecia’, no sentido de enchia, inchava. Essa grafia é uma variável de ‘intumescia’, do verbo intumescer. O leitor conhece a primeira opção? Trata-se de uma variante gráfica, palavra que tem duas grafias com o mesmo sentido. Foi assim que se usou ‘cincoenta’ (hoje, arcaico) equivalente a ‘cinquenta’. Não se pode devolver um cheque preenchido com ‘cecenta reais’. E se pode dizer quota, cota. Estamos diante de um fato quotidiano. Cotidiano.
Vi com bons olhos que o redator-chefe Daniel Stycer, num momento, não pede um sinônimo de autopsia (também se diz autópsia), mas diz: “Cena retratada em “A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt”. Uma forma de se chegar ao nome, tendo, como intermediárias, a cultura, a História; fica clara a noção de um quadro famoso desse pintor holandês.
Mas…numa página, encontra-se o enunciado “piorado as condições”, que estaria bem em “O quadro tinha piorado as condições”. Não sendo em outro contexto, dever-se-ia grafar “pioradas as condições”.
Na voz passiva sintética, deve-se acompanhar a flexão verbal conforme o singular ou o plural do termo básico – forra-se botão, forram-se botões, e nunca ‘forra-se botões’, dando a entender que seria um sujeito indeterminado. Não. É um sujeito passivo. Assim, use, sagaz leitor, ‘vende-se biscoito, vendem-se biscoitos; aluga-se sala, alugam-se salas’. Nesse caso, o handebol deve ser definido como o esporte em que ‘se marcam gols com as mãos’. Não ‘o esporte onde se marca gols com as mãos’.
Fiquemos, hoje, com este artigo menor e mais comedido. Continuo a pensar que o leitor complementa, com excelência, os comentários que tenho feito, embora alguns mereçam alguma retificação.
Um abraço.
João Carlos de Oliveira, professor jubilado, formado em Letras, com especialização em Língua Portuguesa; advogado, pós-graduado em Direito Civil, membro-correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (de Cachoeiro de Itapemirim, ES), poeta, cronista, colunista linguístico. Acesse www.clubedeautores.com.br, e adquira ‘Em cada canto’.