Português do Dia a Dia (26 de fevereiro/2012)

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Arnaldo Niskier, professor, jornalista, escritor e poeta, membro da ABL, ele que é carioca, tem publicado livros sobre o desastre que cometem com a nossa LP, enunciados colhidos especialmente em jornais. Eu mesmo tenho um desses livros, com belas observações sobre os erros, e as devidas correções. Aliás, como tenho dito, não chamo a essas desarticulações de erros, mas de lapsos linguísticos, um eufemismo para a dor que ela, a Língua Pátria, e nós, os preocupados com a grandeza do idioma, sentimos. É inexplicável esse dissabor, embora você, que lê este artigo, possa não acreditar, ou não concordar com esse sentimento. Um homem voltado para a Natureza, para o Meio Ambiente, pode chorar se encontra uma árvore abatida sem nenhuma justificativa. Também, temos visto exemplos de assassinatos de oitis quarentões e/ou cinquentões aqui em Teixeira de Freitas. Se a alma da Prefeitura não dói, a do povo dói, e de muitas pessoas sensatas.

Observe alguns casos: “São Mateus têm 3 mil cachorros na rua”, frase de um analista sobre a vida desses caninos nessa cidade capixaba. O nome termina em S, mas não é plural. Nome próprio, usado como nome de santo, Mateus, do nosso Vocabulário Onomástico, comum em todo o Brasil, exige o verbo no singular: Mateus é, Mateus chegou. Se assim procede, na nossa correta concordância verbal mais simples – em que o verbo concorda com o sujeito, e sendo sujeito simples, na terceira pessoa do singular, o verbo “ter” deve estar no singular: ele tem. Logo, São Mateus, (ela, a cidade), tem. Caso semelhante, temos em “Os Sertões tem um enredo cinematográfico” por relatar as agruras do homem, a seca que assola, e a geografia, abandonada pelo Governo, pelo menos o de então. Aliás, dizem os doutos que também se pode dizer “Os Sertões (de Euclides da Cunha) têm um enredo cinematográfico”, por se tratar de um termo que está no plural, em especial pela visão semântica de uma obra plural. Não existe “têem”, como se encontra de quando em vez. Essa terminação “eem” existe apenas no verbo que, na terceira pessoa do singular, termina em E, como lê, crê, vê, e em seus derivados. No plural, lêem, crêem, vêem, relêem etc. Lembre-se de que a atual Reforma Ortográfica retirou, sem muita justificativa, o acento circunflexo: leem, creem, veem, releem. “M” nesse caso é uma desinência de plural, indicando a terceira pessoa do plural. Mas… Os Estados Unidos têm a maior riqueza per capita do mundo – por ser uma concordância verbal específica.

Nesse item do cachorro, estava ali “… espalhados por todo município”. Qual município? Ao qual o autor do texto se referia? Certamente, o mesmo, São Mateus. Logo, por se tratar de referência específica, a redação requer uma mudança – a introdução do artigo definido masculino “o”: “… espalhados por todo o Município”. E de bom alvitre, já que o território é específico, o nome deve vir escrito com letra maiúscula. Tanto esmero assim numa frase tão curta? Bom, em se tratando pelo menos de analisar a norma culta, sim. “Por todo município”, uma forma também correta, seria a referência a qualquer município.

“Nos sentimos muito amados”, uma das comuns introduções de textos religiosos ou daqueles que querem introduzir “uma ênfase” para atrair o ouvinte, como em palestras: não se pode começar a frase com o pronome oblíquo, nem átono nem tônico. Deixemos, entretanto, esse lado, por que é poético, para o popular – “Me dê um copo d’água”, que casa muito bem com a improvisação e o coloquial. No culto, escreva: Sentimo-nos muito amados. Note aí a perda do S do verbo na primeira pessoa do plural. Talvez seja essa a dificuldade, ao se usar a ênclise, que “não permita” essa forma culta. Repito: “sentimo-nos” pode não soar bem aos ouvidos da fala cotidiana.

“As coisas acontecem ao Deus-dará…”, disse um texto de forma emblemática sobre os descalabros dos governos de todo o País, dos estaduais ao Central. Ora, a expressão se tornou um nome comum, como derivação imprópria. Assim, o sentido de “Deus”, como Onipotente, Onisciente e Onipresente, deixou de existir. A grafia passa a ser com letra minúscula: tudo ocorre ao “deus-dará”, isto é, sem controle, de forma estabanada, entregue ao acaso. O mesmo caso de “coco-da-baía”, “castanha-do-pará”, expressões que perderam seu sentido original.

Um abraço. Voltarei com outras análises. Se você repudiou, mande uma mensagem. Se não, aguarde outros comentários.

Coluna anterior: “Está de cinto” ou “Está com cinto?” Qual a forma correta quando o motorista pergunta ao passageiro se ele está usando o cinto de segurança? Resposta: Se não se pode dizer que “O professor está de greve”, mas… em greve, deve-se ter cuidado com essas frases “Estou de dengue, estou com dengue”. Pode haver significado diferente do desejado. O ideal, na frase acima, é “Está com cinto?” “De cinto” poderia indicar apenas “usando um cinto em sua roupa”. Não?

Pegadinha: Os gângsters ou os gângsteres? Qual das duas está em Português?

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Divulgação dos livros de João Carlos