Português do Dia a Dia (25 de março/2015)

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Quem quiser pode criar uma palavra. Imagine você falar que teve um sonho ínfimo. Eu é que não sei quando o sonho é grande ou pequeno, no seu aspecto físico ou material. Grande ou pequeno pela sua importância, se é que assim se pode dizer, vai. Se você teve um sonho fugaz, efêmero, ligeiro, então, você teve um minissonho; o oposto, um megassono. Pode-se falar assim? Pode. Assim, como se escreve minissaia, minissérie – formas já padronizadas – deve-se escrever megassena, minissonho. Jamais a escrita mini-sonho, como o nome do jogo fomentado pelo Governo não segue o padrão gramatical. ‘Mega sena’ foi uma forma inicial, que não obedece ao critério da Reforma Ortográfica. No mínimo, para aquela época, mega-sena; hoje, megassena.
No caminho de se usar o hífen em alguns vocábulos, o que tem gerado muita dúvida, anote esta: um artigo publicado em 07/02/2015, em A Gazeta, ES, página 35, trouxe esta manchete: “Papa é criticado por defender palmadas em crianças” (sic). Ao comentar o assunto, o autor narra que “Peter Saunders, fundador de uma associação britânica anti-pedofilia e membro da nova Comissão do Vaticano para a proteção da criança, declarou” que a declaração foi muito indesejável (sic). Note agora a repetição ‘declarou… declaração’, praticamente na mesma linha do texto. Para evitá-la, usar-se-ia ‘disse’ (comentou, escreveu, citou) que a ‘declaração’ foi muito indesejável, ou analisou que a declaração…, entre outras opções. Note ainda que em Inglês um vocábulo com o prefixo anti, como em anti-virus, pode ser hifenizado, mas em Português, não. Nossa grafia: antipedofilia, antivírus, diferente da grafia inglesa. ‘Virus’, em Inglês, como está aqui, não leva acento agudo.
É muito comum que analistas citem o mandamento dito por Jesus Cristo, mas tem aparecido alterado de várias formas, como também reduzido.
Em um caso, aparece esta versão “Amai ao próximo como a ti mesmo”. Muito bonito, mas gramaticalmente incorreto. Por quê? Porque “amai”, imperativo de ‘vós amais’, após a exclusão do esse, como manda a Gramática Normativa – amai vós, deve exigir a mesma pessoa no restante da frase. Acima, vós, o sujeito da frase, está oculto, ou em elipse. Na sequência, que se trata do segundo sintagma da frase, vem a comparação “… como a ti mesmo”. ‘Ti’, pronome oblíquo da segunda pessoa do singular, como se nota, pertence ao sujeito ‘tu’. A frase tem dois sujeitos? Sim. Vós e tu. Entretanto, o agente da primeira parte (amai ao próximo) é o mesmo da segunda (como a ti mesmo), na intenção de quem escreveu dessa forma. Nesse caso, não seriam sujeitos diferentes, mas o mesmo repetido, oculto em ambas as partes do enunciado frasal. A redação dessa forma não ficou correta – Amai ao próximo como a vós mesmo: o sujeito é vós, oculto na primeira parte. (Amai ao próximo como vós amais a vós mesmo). Se o cidadão quiser manter a concordância verbal da segunda parte, ele terá que usar – Ama ao próximo como a ti mesmo. (Ama tu ao próximo como amas a ti mesmo).
Sem a explicação acima, que pode não ser bem entendida, vamos dar as versões populares para o mandamento cristão em três pessoas: Vós – Amai ao próximo como a vós mesmo. Tu – Ama ao próximo como a ti mesmo. Você – Ame ao próximo como a si mesmo. Obs.: Não conheço a última versão usada na própria Bíblia.
Há ditos populares sem lógica que dói, como este: “No tempo em que se amarrava cachorro com linguiça”. Muito sem graça. O dono do cão seria muito bobo; tão baratas eram as coisas; ou tão forte seria a linguiça, como tão sem graça seria o cão – ficaria faminto, mas não comeria o petisco à sua disposição, bem à frente de seu focinho sem faro!
Pensamento interessante – Boa romaria faz quem em casa fica em paz, em especial nos dias modernos. Sem mais comentário.
Você conhece a palavra avenida? Claro que sim. Nome de logradouro – uma rua mais larga e com muito movimento. Avenida vem do Francês avenue (‘aveni’); primeiro a grafia, segundo a pronúncia (ou próximo dela). Outros nomes de logradouros: praça, rua, viela, beco, alameda, travessa. Mas se prefere ‘avenida’ a qualquer outro destes nomes: Casa Avenida, Autopeças Avenida, Shopping Center Avenida (nomes fictícios), mesmo que haja Plaza Hotel. Plaza dá-nos praça, mas não se usa Lojas Rua, Mercado Beco, Barzinho Viela, Casa Alameda, Motel Travessa. Notou agora como o termo avenida é querido e aceito? Qual é sua versão? Que exemplos você dá para outras maneiras de falar? Você conhece a rua torta, o beco da garrafa, a alameda sem árvores, o beco que dá numa vereda? Melhor que você cite seu Manuel, o boa-praça da região. Cite histórias de outras palavras que são mais usadas que outras, em situação similar.