Português do Dia a Dia ( 23 de dezembro/2015)

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Há ditados e dizeres populares de todos os tipos. Muitos são bonitos, filosóficos e procedentes. Vale a pena serem citados, sentidos e praticados. “Boa romaria faz quem em casa fica em paz”, que se aprende, de boca em boca, de pai para filho.
Tenho um livreto só de pensamentos, e com eles aprendi muito. Rabindranath Tagore, poeta indiano, produziu versos que são ‘milagrosos’, cujo conteúdo empolga, conquista, enobrece quem os lê e dignifica o autor. Sua obra é muito bonita. A não-citação de alguns de seus pensamentos é para que o leitor, se quiser, os busque na rede, que os achará.
Entretanto, as denominações é que se complicam. Um simples ditado pode ser transformado em bordão – “Quando eu era pequeno lá em Barbacena”, da personagem Joselino Barbacena, da Escolinha do Professor Raimundo, comandado por Chico Anysio. Um dos filhos do humorista está trazendo o programa de volta. Tomara que dê certo.
Ou um simples ditado, que não é bordão, pode ser confundido com jargão.
O que se sabe é que bordão tem a ver com o popular – a transmissão de uma mensagem pitoresca, circense, hilariante, trazendo-nos o humor, para que a cara carrancuda ceda lugar à vida. Isso é bom. Só que bordão é uma coisa, e jargão, outra.
Se o bordão é popular, o jargão representa a ala profissional de um grupo classista. No conceito do povo, o bordão é a linguagem de todos; o jargão representa a linguagem de especialistas.
Citando ainda o programa humorístico, o bordão “Captei a vossa mensagem, amado mestre” é um exemplo supimpa, dito, antes de sua fala, pela personagem Rolando Lero. O jargão é do tipo “A lei é para ser cumprida”, que poderia aparecer na sentença de um magistrado, buscando o princípio jurídico cabível – Dura lex sed lex – “A lei é dura, mas é a lei”. Um texto fala no assunto e cita a sigla “QE”, que nada tem a ver com Quociente Intelectual (QI), definida como jargão – Quantitative Easing – que significa ‘maior circulação de recursos para dar fôlego à Economia’, certamente usado no setor de financeiro-econômico.
No início, tem-se uma pequena dúvida entre a distinção de um bordão para um jargão, mas, com o passar do tempo e das pesquisas, as dúvidas vão-se atenuando. Por isso, este comentário, na tentativa de ajudar o leitor.
Voltando ao nosso dia a dia, fica muito clara a insistente dificuldade no uso de ‘mal’ e ‘mau’. Mal é substantivo – o dano que é feito, a doença. O mal que você faz à sociedade em não respeitar as pessoas (por que dá mau exemplo). O câncer é um mal terrível.
Mal pode ser uma conjunção. Mal cheguei, tive que sair. Mal é usado na formação de muitos termos adjetivos e substantivos – malfeito, malconstruído; malquerer, maldizer. Etc.
Por essa diversidade semântica, é que os dois termos causam muita dúvida. Uma boa saída é esta – onde couber ‘mau’ (adjetivo), cabe ‘bom’ (o oposto). O mau motorista é um terror. Logo se nota que cabe ‘bom’ – o bom motorista é um auxiliar do trânsito de pessoas e veículos. E onde couber ‘mal’, cabe ‘bem’ (tanto como substantivo ou advérbio). O mal que se causa em não ajudar um necessitado – o bem que se causa em ajudar uma pessoa. A virtude é um bem. A usura é um mal. O bem-aventurado tem o dom de Deus. O malaventurado sofre demais.
A dúvida também se relaciona ao uso do hífen – Malaventurado ou mal-aventurado? Se há benfeito e bendito, como malfeito, pode haver malaventurado. É que havendo vogal, é preferível que não se use mais o hífen – tudo junto sem alteração.
Um texto recente fala da má-versação ou malversação do dinheiro público – “Dilma e Eduardo Cunha, ambos, são acusados do mal uso do dinheiro público” (sic). Mal uso ou mau uso? Se temos o substantivo ‘uso’, o outro tem que ser adjetivo, por isso ‘mau’, e não mal. Houve um engano. Se transformamos ‘uso’ em adjetivo (usuário), mal pode ficar na frase – o malusuário do dinheiro público. A dúvida agora é quanto ao uso do hífen – mal-usuário ou malusuário? Se existe ‘malconcebido’, por que não existiria malusuário? E seria malconcebido ou mal-concebido? Use malconcebido e malusuário, conforme a nova Reforma. Mauconcebido, não, mas má-concepção. As más palavras, as más companhias, as más horas; o mau-humor, o mau-companheirismo.
Um lembrete final – pela malandragem existente na corrupção, corruptores e corruptos, seres inconvenientes, estão transformando o Brasil em pura ‘cerveroíce’. Durma com essa! Trata-se de um novo termo – o mais perfeito neologismo do Brasil moderno. Não concorda com este professor?