Português do Dia a Dia (2 de Março/2013)

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Estou com a incumbência hercúlea, a partir de agora, de tentar explicar por que os termos ‘Bolsa Família’, ‘Meio Ambiente’ e ‘Extremo Sul Baiano’ precisam ser hifenizados; ao contrário, como são usados, soltos, não acatam regras da Gramática Normativa. Posso ser contestado.

A Gramática Normativa diz que termos compostos, como caneta-tinteiro, em que o segundo elemento caracteriza o primeiro, devem ser usados justapostos com hífen. Existem os justapostos sem hífen, como ‘passatempo’, embora o primeiro elemento seja verbo (‘passa’, de passar). Mas existe navio quebra-gelo.

Substantivos compostos desse naipe, evidentes no cenário nacional da mídia, são usados com hífen: célula-tronco, em que fica claro que o termo ‘tronco’ evidencia, explica, esclarece que tipo de célula é; o plural deve ser aquele em que somente o primeiro elemento vai ser flexionado: células-tronco, mesmo que haja quem flexione a ambos (sem necessidade). Seguem essa linha vocábulos como casa-barco (seria moderno, por que não está em todos os dicionários?), navio-escola (antiga citação de muitas gramáticas), cidade-satélite. Há vasta relação desses termos, e muitos são regionais, sem a necessidade de que todos constem aqui. E fica claro que um termo, regional como é, deve seguir a forma de grafar imposta pela Gramática. Ou se acharia que a obediência a essa regra cairia somente no termo já conhecido nacionalmente?

Observe o leitor este viés: a primeira vez em que alguém usou ‘lampião’ com a conotação de ‘homem valente’ deve ter incomodado a muita gente, mas, certamente, depois que Virgulino foi morto, e que o cangaço deixou de provocar medo, ‘lampião’ passou de lamparina ou fifó ao conceito de ‘valente’ com facilidade, e ninguém mais questionou.

Assim, os termos vão ganhando vida. Não se deve apenas acatar os que são de uso amplo, como também todos aqueles que são criados por poetas ou pessoas comuns de uma região. A propósito, se termos foram aportuguesados, como sutiãs, zíperes, devemos também usar fôlderes, bâneres, e muitos não aceitam a grafia ‘nova’; outros há que ainda querem usar ‘stress’ no lugar de estresse; se a grafia da língua original for mantida por séculos, o idioma que recebe o termo novo, como o Português, não estaria sofrendo evolução, seria plenamente estático, e isso não é bom. Por essa razão, é que há os verbetes ‘aportuguesar, aportuguesado, aportuguesamento’, e outros, que antes não eram usados – nada era aportuguesado. Escrevia-se até ‘garçon’; hoje, garçom, como batom etc.

Também, não é demais fazer uma chamada que, por isso, “cômodas” podem não ser pessoas apáticas, lerdas, sonsas ou de qualificação afim, mas móveis com muitas gavetas.

Também brinco um pouco mais – por que o plural ‘móveis’, palavra paroxítona, está acentuado com agudo? Porque surgiu o verbo ‘mover’ – eu movo, tu moves, ele move, nós movemos, vós moveis, eles movem. Vós moveis – forma verbal em que o acento tônico está na última sílaba, portanto, um termo oxítona. Móveis é acentuado ainda por se tratar de um vocábulo terminado em ditongo decrescente, como ágeis, fáceis, resíduos, profícuos etc.

De acordo com esse princípio, Bolsa Família forma um conjunto de palavras em que o segundo elemento caracteriza o primeiro, substantivo composto. Se isso acontece, deve ser usado o hífen – Bolsa-Família, como Bolsa-Escola, Bolsa-Fome. Seguem esta linha: Fome-Zero, Vale-Tudo etc. A questão é que uns usam o hífen; outros, não. O fato de não ser usado gera apenas desconforto na grafia, sem alterar o sentido da frase, sem prejudicar a semântica do texto, é claro. Mas o seu uso embeleza a aparência, a estética textual, a visibilidade – vírgula, acento, hífen (sinais gráficos normais), aparecendo na redação. Isso é bom, e fica mais bonito. Portanto, o hífen deve ser usado. Se houver erro, peca-se por exceção (por excesso de zelo): melhor que se use César (com s e acento) que Cezar (com z e sem acento), uma vez que não se saiba de que forma a criança teve o registro do nome (obedece-se cegamente a essa norma). Aqui, não se trata de fulano já conhecido. Melhor assim, que se usar César, Cezar, Cesar ou Cézar para a mesma pessoa, no mesmo texto. Inclua nesses aspectos nomes como Manoel, Manuel, Luís, Luiz, Luísa, Luisa, Luíza, Luiza etc. (Veja cada grafia cuidadosamente!)

No mesmo patamar, temos “O Extremo Sul da Bahia”. Se não houver hífen no conjunto “Extremo Sul”, poder-se-ia pensar – é o extremo que está ao sul da Bahia, ou o sul (de uma região ou do Estado) que está no extremo da próxima divisa (com Minas Gerais, por exemplo)? O hífen no termo composto faz diferença – fica mais bonito, e não prejudica o sentido do texto. Pode-se pecar por excesso, e não por falta. Trata-se do extremo que está ao sul – O Extremo-Sul da Bahia. O que se pode discutir, também, seria a grafia com maiúscula ou minúscula. Sem muita necessidade disso, uma vez que se encontra Norte ou norte, Sudeste ou sudeste, Oeste ou oeste, centro-oeste, Centro-Oeste, Centro-Sul, centro-sul etc. Não concorda? Se alguém pronuncia o nome, não se vai falar que houve ou não o hífen; na escrita é que o redator vai cumprir a grafia certa, de acordo com a Gramática. Na dúvida, peca-se por excesso! Já viu essas grafias em livro de Geografia e História? Aparecem em abundância com hífen, sem hífen, com minúscula, com maiúscula. Com hífen, é ótimo – o redator peca menos. Se for alegado que o termo não aparece muito na mídia nacional, por ser de uma região, a regra valeria apenas para termos nacionais?

Assim, temos ‘meio ambiente’, em que o vocábulo ambiente gera ambientalista, ambientar, ambientado etc., todos chamando a atenção do habitat, da biota, do meio em que vivem animais (o selvagem, o veado; e o não-selvagem, o homem). Todos precisam respeitar o ecossistema. Como faz a girafa para preservar o meio-ambiente (agora com hífen) – ela come menos folha, ela não provoca erosão ao solo, ela não defeca na água que bebe? O homem faz isso; faz o contrário do coelho, da raposa, do rinoceronte. Desculpe o leitor o desabafo. Portanto, nessa expressão o termo ambiente caracteriza o meio. Plural, os meios-ambiente, ou meios-ambientes. A maiúscula e a minúscula ficam a depender de critérios. Veja escola-modelo, banana-maçã, cidade-dormitório. Acrescente, agora, os seus exemplos.

Um abraço e até a próxima.

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