Ladrão, ladroagem; canoa, canoagem; consciência, conscientização; pessoa, personalidade.
Essa brincadeira faz lembrar o seguinte, que pode ser uma orientação didática, – sempre que vai escrever, faça o ‘pré-aquecimento’ citando e revivendo alguns termos, pois deles, certamente, surgirão outros. É assim o processo de formação de palavras, em especial a derivação – de um, o primitivo, vem o derivado, o segundo, do qual pode haver uma série, chamada de termos cognatos – aqueles que pertencem ao mesmo radical, e pertencem à mesma família etimológica. Isso é uma riqueza.
No mínimo, você deve ter em mente isto – três termos estão ‘unidos’ para dar apoio a seu texto. Se você usa um adjetivo (amável), deste você pode ter um substantivo (amabilidade), e da mesma forma buscar o verbo do qual fazem parte esses dois termos (amar). Em seguida, se quiser ou precisar, busque um advérbio (amavelmente, amorosamente). O fato de se usar amorosamente, como variante, indica que o escritor escolheu o derivado seguinte diferente do primeiro: a escolha é dele. Amável, amado, amoroso, amante são todos ligados ao verbo amar. Isso é uma riqueza – fomenta a ajuda à sua criatividade.
Dado esse recado, vamos ao comentário do momento: continuam no dia a dia horrorizando o idioma pátrio, em especial em fôlderes pelo Brasil inteiro. Antes eu os chamava de ‘deslizes linguísticos’, agora, por serem tantos, chamo-os de ‘delitos da escrita’. Certa época, ordenei trabalho com uma turma que buscasse termos com grafia errada e expressões duvidosas no comércio desta Cidade – foi um sucesso, e, ao mesmo tempo, um desastre com o pobre Português, a Flor do Lácio (Olavo Bilac). O ruim é que alguns estudantes, desavisados, inventaram ‘termos e expressões’ querendo demonstrar erros usados pelo povo. Isso não valeu. Esse modelo não é bom.
Em certo lugar, estava ‘mini quadros’ (assim, com os termos separados). Supostamente, o mesmo autor dessa escrita usa o elemento ‘míni’ em outra situação. Por exemplo, minicomputador, bem moderno. Logo, se o cidadão usou tudo junto, deve usar ‘miniquadros’, em que o i não prejudica a pronúncia do q. Da mesma forma, usa minicurso, minidicionário, minirreforço. Em seguida, surge a dúvida com outros elementos: mega. Se se usa megaevento, logo, megassaldão. O esse dobrado é exigência da atual Reforma Ortográfica, processo que substitui o modelo tradicional anterior do uso do hífen.
Assim como se comenta que “Saiu para fora” é pleonasmo vicioso (pois os termos são sinônimos), não se deve usar “Opta por opções”, a não que se diga, enfaticamente, que “Opta por opções bizarras”, assim como “Ele sonha um sonho delicioso”, o chamado objeto direto cognato. É preciso muito cuidado para se evitarem essas gafes. O repórter disse “A vítima foi salva com vida”. Se alguém foi salvo, é porque não morreu. Vítima fatal – que pena: a vítima que mata a si mesma! Pense: vítima de morte, vítima de lesão corporal, vítima de ofensa moral, vítima de assédio moral. Ao usar o termo vítima, lembre-se do primitivo e do derivado – vítima, vitimar, vitimado. Ele vitima alguém. Vitima, sem acento agudo, é verbo. A vítima foi esfaqueada – substantivo, com acento agudo. A vítima é sempre vítima de um ato indevido. Fatal é o acidente que causou a morte (vítima de morte) ou a lesão de algum tipo (vítima de lesões corporais). Se alguma arma ‘dispara’ é porque não se trata de arma branca (uma faca). Se há disparo, é porque o tiro saiu pela culatra, logo se trata de um revólver, de uma espingarda, para citar as mais comuns. Então, dizer-se que “houve disparo de arma de fogo” é redundante. Arma branca não dispara; revólver não é arma perfuro-cortante. São diferentes, pois. O máximo é se dizer que “houve disparo de revólver 38; disparo de metralhadora”, pois todas essas são armas de fogo.
Use seus conhecimentos e corrija esta: “Também não faltou as cores verde amarelo”. Pensou? Mude a página. Respire e, agora, reescreva: As cores não faltaram. O verde-amarelo é uma cor. As cores verde-amarelas.
Uma série de anúncio usa o horário de forma estranha – só em caso especial para evitar dúvida, seria usada a abreviatura com dois zero (19:00h). Por que esses dois pontos? Para que esses dois zeros? Horário é isto: 08h30 (o zero antes do oito para se evitar, por exemplo, 18h30). O melhor é o modo normal: 19h. Note que a abreviação 19:00h tem seis toques, o que quase equivale ao extenso desse horário: 19 horas. Só um toque a mais. Por que abreviar e ficar, praticamente, com o mesmo espaço do não-abreviado? A abreviação, ou abreviatura, é para diminuir o espaço. Há, ainda, quem usa acento agudo, em horário, no lugar do grave. Ás 19h. Use Às 19h.
Último exemplo: “Odonto Pediatria”. Tudo junto: odontopediatria.
No popular: “Ela, então, ficou esperando ele voltar”. No padrão culto: “Ela, então, ficou esperando-o voltar.” “Ela, então, ficou esperando que ele voltasse.” A última é a melhor.
* João Carlos de Oliveira, professor jubilado, formado em Letras, com especialização em Língua Portuguesa; também, advogado, pós-graduado em Direito Civil, membro-correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (de Cachoeiro de Itapemirim, ES), poeta, cronista, colunista linguístico. Acesse www.clubedeautores.com.br, e adquira ‘Em cada canto’.