A evolução do jornalismo – a cada dia, há maior número de noticiários, e mais ampla se torna a mídia – , faz com que muitos vocábulos usados nesse meio nem estejam no dicionário. Isso é correto, e é bom. À medida que for tomando corpo, tornando-se um vocábulo usual, depois de certo tempo – seus cinco anos de vida – , ele passa a integrar o conjunto de palavras do Português, no nosso caso.
Estão nesta ala as expressões “ficha limpa” e “ficha suja”, que passam a ser substantivos compostos por justaposição (processo em que os termos se juntam com hífen ou não sem sofrer alteração em seus fonemas): o ficha-limpa, o ficha-suja, que seriam, respectivamente, o indivíduo sem impedimento e o com impedimento na Política.
Porém, alguns jornais, ou pessoas, não se dão conta de que se trata de um novo vocábulo e passam a usá-los sem o devido hífen. Dessa forma, há uma inversão de valores semânticos do termo e ele funciona como se fosse um substantivo simples seguido de um adjetivo, que o qualifica. Nesse aspecto, sem o uso do hífen, fica incorreto.
Se o leitor for capaz de entender a diferença entre “bom dia” e “bom-dia”, vai entender facilmente este comentário, e o fato de a grafia não estar correta se for usado sem o hífen. “Bom dia” é o mesmo que “dia bom”, agradável, aquele em que tudo ocorreu bem. Tive um bom dia de trabalho hoje. Não importa se o adjetivo vem anteposto, como “bom dia”, ou posposto, como “dia bom”, a função é a mesma. “Bom-dia”, no entanto, é o cumprimento, forma de escrita que muitos ignoram e com a qual, talvez, não concordem.
“Ficha limpa” é uma ficha, como o arquivo de um estoque ou cadastro, que está limpa; o contrário, é claro, que está suja – no sentido literal da palavra. Ficha-limpa, como se quer aqui, alterando o aspecto semântico do vocábulo, é o sujeito que teve seu nome impedido por força da lei de continuar se candidatando a cargos públicos. A Lei Eleitoral é clara nesse sentido.
Ficha-limpa, ou ficha-suja, tem a mesma formação de boia-fria – um substantivo simples que se une em justaposição a um adjetivo e formam um substantivo composto, cujo plural, salvo alguma exceção, é feito com a flexão de ambos os termos: fichas-limpas, fichas-sujas, boias-frias. Seguem esse caso os termos “Belas-Artes”, nome de curso em Faculdade. Outros exemplos: água-marinha (pedra preciosa); plural: águas-marinhas, assim como: água ardente, que se tornou “aguardente” (que parece ter apenas um radical, mas são dois), pelo processo da aglutinação (em que fonemas sofreram alteração). Pode completar esta relação: bel-prazer (o belo-prazer); plural: bel-prazeres (aglutinação); amor-perfeito e amores-perfeitos (justaposição).
O processo para a formação dos substantivos compostos “ficha-limpa” e “ficha-suja”, justaposição com hífen (repita-se), é o mesmo em que dois substantivos simples se tornam um substantivo composto formado por justaposição com hífen. São muitos, e nem todos estão no dicionário, por serem modernos ou se referirem a uma situação diferenciada, que tem valor somente para aquele caso ou momento. Note alguns: edifício-garagem, cujo plural será melhor “edifícios-garagem”, em que o segundo elemento caracteriza o primeiro. Claro fica que não se pode escrever “edifício garagem”, em que as duas palavras estão soltas. Continue a observar: café-concerto (local em que se serve café e seus acompanhantes com o serviço de música); plural: cafés-concerto; sala-cofre, o Bolsa-Família (programa de esmola do Governo Federal); mestre-cuca, banana-ouro, manga-rosa, couve-flor, chave-mestra, homem-bomba, garoto-propaganda, homem-aranha, mulher-maravilha, mulher-melancia, salário-família. No caso de “cirurgião-dentista”, que indica um indivíduo que atua em duas áreas, ambos os termos devem ir ao plural: cirurgiões-dentistas.
No Nordeste, é usado o termo “homem-gabiru” para indicar um tipo de homem baixinho, franzino, que vive abaixo da linha da pobreza, tomando muita cachaça – geralmente, tem prole acima de oito ou dez filhos. Gabiru é um tipo de rato que vive em esgoto e se alimenta de migalhas. Se você observar, é do seu conhecimento uma forma muito popular desse tipo de palavra: cara-metade. Assim, você será capaz de relacionar outros exemplos. Um abraço.
Coluna anterior: Você é anoso ou idoso? Você usa plenitude ou completude? Qual a diferença de significado entre esses termos? Apresente suas ideias, que farei as minhas. Está combinado? Resposta: anoso e idoso têm o mesmo significado; a diferença está no uso – idoso vem de idade+oso, em que não se pôde fazer “idadoso”, mas idoso (por uma forma de redução: o mesmo caso de bondade+oso=bondoso); anoso vem de ano+oso, subentendendo aquele que tem muitos anos, mas, por não estar na mídia, parece estranho usá-lo, no entanto, está correto. Plenitude vem de pleno, e completude, de completo. Ambos estão corretos e são usuais; completude é que tende a aparecer mais na linguagem culta escrita.
Pegadinha: Há diferença de sentido para decente e descente? Note, é claro, que a grafia é diferente. Procure no dicionário o segundo termo, que pode não ser encontrado. Por quê? Que seriam incipiente e insipiente?
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Divulgação dos livros de João Carlos