Português do Dia a Dia (12 de fevereiro/2012)

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Trago três frases drásticas, que circulam à vontade, tanto na mídia como na oralidade, e de tanto serem usadas, são tidas como corretas. Fazem o seu papel de comunicação, mas não atendem à norma culta. Uma, ou similar a esta, é “Ele se acidentou, mas não corre risco de vida”. Se alguém foi vítima de acidente, mas não veio a falecer, ou como querem, não veio a óbito, isto é, está vivo, ou saiu de lá ileso, como é que estaria correndo “risco de viver”? Risco de vida e risco de viver incorrem no mesmo erro. Se a pretensão é dizer o oposto, que alguém corre perigo, deve ser dito que “Está correndo risco de morte”. Ou risco de morrer. Um “não” é suficiente para o uso do antônimo: que não está correndo risco de morte. Se você quiser dizer de outra forma, como “Não colocou a vida em risco, A vida não está em perigo, Não está correndo risco”, é possível. Essa variedade é salutar, mas poucos, como se vê, a usam, porque se apegam a frases prontas, veiculadas dia e noite, criando um modismo de que (supostamente) só elas estariam corretas. A criatividade, a certeza de que a frase pode ser variada ou reescrita, faz com que o redator fique mais confiante e diversifique sua linguagem, com uma gama de formas de escrever, enriquecendo sua escrita. Falta coragem para alguns, como falta conhecimento. Bato em demasia na tecla de que esse fato se dá pela não-pesquisa. Um aluno, para me testar, me pergunta se eu sabia o sinônimo de “sinônimo”. Retornei a pergunta, e ele não quis responder. De imediato, expliquei-lhe que não há vocábulos iguais, que aqueles que se assemelham quanto ao sentido são tidos como sinônimos. Com mais um pouco de debate, uma aluna interveio e disse que o sinônimo é “parecido”. Sim, parecido, igual, semelhante, similar, idêntico, todos são sinônimos de “sinônimo”, sem que se esteja dando uma definição ao vocábulo. Assim como “antônimo” (entramos nessa vereda) tem como sinônimo “oposto, contrário, adverso”, o antônimo de sinônimo é “antônimo”. O antônimo de antônimo é “sinônimo”. A segunda frase a entrar na análise é “Ele se suicidou”. Um professor disse que de tanto ser usada, ninguém mais a admite como “desvio”. Defesa aceitaem parte. Buscando a norma culta, explica-se: “sui” equivale a si mesmo; “cida” é mata. Como ninguém suicida o outro, o pronome “se” (pessoal oblíquo) é redundante. Basta dizer “Ele suicidou”. Se o redator gosta do “se”, substitua o verbo, que terá o mesmo sentido: Ele se matou. Ou use um eufemismo: “Tirou a própria vida. Praticou (ou cometeu) a autodestruição. Ele mesmo o conduziu à cidade dos pés juntos.” Não aceito a tese de que todos usam assim e ponto final. O hábito, que não se trata de vestimenta monástica, não faz o monge. Usam-na como desvio por falta de conhecimento, podendo ser mudada. Feio foi encontrar a manchete “O estuprador que suicidou-se no cárcere”. O pronome relativo “que” exige a próclise (a colocação do pronome antes do verbo), abominando a ênclise (o uso do pronome depois do verbo, desde que não haja nenhum atrativo ou com ele não se esteja começando a frase). A frase deve ser escrita: “O estuprador que se suicidou no cárcere”. Nova redação, com a retirada do pronome, cujo sentido já está implícito em “sui”: O estuprador que suicidou no cárcere. Veja que esta está melhor que as anteriores. Ou use: O estuprador que se matou no cárcere. O estuprador que tirou a própria vida no cárcere. Com certeza, as alternativas vão distanciando os sentidos… A terceira frase de hoje é “Vende-se cofres”, semelhante a “Vende-se lotes”, “Aluga-se apartamentos”. Um termo não pode ter flexão diferente do outro: a frase deve ter coerência gramatical, tudo no singular, ou tudo no plural. Redijamos a frase citada de quatro maneiras. Veremos que duas estão corretas e duas, incorretas. Havendo diferença de flexão de um termo para o outro, há erro, ou desvio. Havendo igualdade, está de acordo com a Gramática Normativa. Veja: Vende-se cofre. Certo. Vende-se cofres. Errado. Vendem-se cofres. Certo. Vendem-se cofre. Errado.

Resposta da coluna anterior: o termo férias, como período de descanso do trabalho ou da atividade escolar, deve ser usado sempre no plural. Fica no plural o adjetivo que a ele se refere. Por isso, se diz Boas férias, ótimas férias. Não se pode dizer ou usar Feliz férias. Obrigatoriamente, felizes férias. Ficaria correto “Boa férias”? Quanto ao uso do pronome lhe ou te, isso não importa, depende do tratamento dispensado à pessoa com quem se fala: Desejo-lhe felizes férias ou Desejo-te felizes férias. Citei o caso de usarem “óculos escuro”. Na mesma regra, o adjetivo concorda com o substantivo: óculos escuros, ou que se diga Comprei um par de óculos. Ao digitar óculos, deixei escapulir “ósculos”, termo que significa “beijos”. Oscular uma face é dar-lhe beijinhos.

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Divulgação dos livros de João Carlos