Português do Dia a Dia (11 de maio/2014)

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Veja com atenção este enunciado: “As prefeituras (…) não chegaram a um consenso sobre a qual município o lote pertence”, referindo-se a uma área urbana com problema de infraestrutura, que tem de ser de responsabilidade de um dos dois, e cada um tira o corpo (havia reclamação de abandono), porque a atividade não daria lucro.

O pedido ao leitor é para que observe o uso do pronome relativo ‘qual’, no momento anteposto da preposição ‘a’. Claro é que esse ‘a’ não se trata de artigo feminino singular. Queira aceitar mais essa explicação como lembrete.

O ideal seria que se usasse a forma não-desenvolvida (que), anteposta da mesma preposição – a que. O substantivo a que se refere esse pronome relativo não influi, na forma neutra, se é masculino ou feminino; em qualquer número (singular ou plural). Note estes exemplos: Você é o indivíduo a que me refiro. Você é a pessoa a que me refiro. Vocês são os alunos a que nos referimos. Vocês são as moças a que nos referimos. Vamos estender mais uma explicação – se for do interesse do redator, nesses exemplos, ‘que’ pode ser substituído por ‘quem’, pois se trata de pessoas. Se fosse um animal – O cachorro a que me referi é o Volante (ele está aqui) – não ficaria bem que você usasse “O cachorro a quem me referi é o Volante”. Nem seria ideal que se usasse forma parecida quando se quer referir a seres abstratos – a paciência, a felicidade, a vontade, ou a seres concretos que não sejam entes humanos – A planta a que refiro é a taioba. Não se diz A flor a ‘quem’ me referi é a rosa.

Então, na frase acima ficaria melhor que se dissesse “As prefeituras (…) não chegaram a um consenso a que município o lote pertence”, citando-os tanto antes como depois do comentário. Note ainda que não se pode usar o sinal indicativo de crase (o grave) nesse tipo de pronome relativo se são masculinos. Sendo desdobrado ou desenvolvido – o qual, os quais, a qual, as quais, havendo a necessidade da preposição ‘a’ – passa-se a ter as formas ‘ao qual, aos quais, à qual, às quais’. Como se trata de ‘município’, palavra masculina, claro é que se podia dizer ‘ao qual’, no lugar de ‘a que’. Não concorda? A redação do anúncio acima não é incorreta; seria, na opinião de alguns, como na minha, menos clara, ou menos consistente. Por isso, esta opção: “As prefeituras não chegaram a um consenso ao qual município o lote pertence”. Segue-se o estilo como a melhor orientação para a escolha deste ou daquele tipo de redação. O que achou melhor?

Fico um pouco pensativo quando usam – para mais de um caso (homicídio ou morte natural) o particípio passado de morrer e matar (para ambos os verbos, usa-se morto). Note ainda que existem morrido e matado. Quando se lê a biografia de um famoso, vem lá no topo da narração – fulano de tal ‘morto’ em 1950 (o ano é uma ficção). Logo depois, lê-se um artigo policial, dessas manchetes em que o jornal ‘sua’ sangue, e se encontra “O traficante foi morto em confronto com a polícia”. Que sentido tem o termo ‘morto’ nesta frase? Que o traficante foi assassinado, que morreu de uma forma não-natural. E por que na natural se usa o mesmo termo? Quer este analista que se tenha uma forma diferente de dizer – falecido (por exemplo). Quando é usado o verbo escolhido em seu passado, usa-se ‘morreu’ quando se trata de alguém bastante simples; quando se trata de alguém famoso, certamente, vem o verbo soante ‘faleceu’. Quer dizer, pobre ‘morre’, e rico ‘falece’ (?). Ou você não nota que se faz essa diferença, mesmo que seja de maneira involuntária! Para usar de ojeriza, diz-se que o fulano ‘bateu as botas; bateu a caçoleta’. Para uma forma solene, com eufemismo, diz-se que ‘Deus o levou’, ou que ‘foi morar na cidade dos pés juntos’. Esta última pode parecer uma pilhéria.

Guimarães Rosa foi encontrado sem vida no seu apartamento no RJ – estava ‘morto’. Por que não se disse estava ‘falecido’? Não confunda ‘falecido’ com ‘desfalecido’. Castro Alves faleceu em consequência de tuberculose depois de ter um pé amputado após um tiro acidental no membro inferior – foi morto em 1871. Morto aí é ‘morrido’ – tinha morrido em 1871.

Mesmo que se diga que isso não faz diferença, está faltando algo nesse sentido – o termo ‘morto’ está sendo vulgarizado. Não recebe meu aval para todos os casos. Como ontem, Jair Rodrigues, o cantor espontâneo, morreu ‘dormindo’. Mais tarde, vai aparecer na sua biografia – morto em 2014. Qual é sua opinião?

Está havendo uma campanha (ou já acabou?) sobre a vacina contra o HPV, doença terrível que ataca as mulheres e lhes provoca câncer de útero, dizem os entendidos.

Em um cartaz numa unidade de saúde, há os dizeres “Meninas de 11 a 13 anos devem ser vacinadas”. Até aí tudo normal. Logo depois, vem a forma que seria inadequada – se a introdução do texto usou ‘meninas’, no plural, deve-se continuar com o verbo no plural. Haveria algum problema se tivesse sido dito “Toda menina na faixa etária de 11 a 13 deve ser vacinada”?; claro que não, já que se quis dar continuidade ao texto no singular. Veio o seguinte, após o plural introdutório no cartaz: “Fique atenta ao período e vacinação na escola ou vá a uma unidade de saúde”. A quem o texto se dirige agora? Fica claro, a uma ‘menina’, a toda menina de 11 a 13 anos. E por que se iniciou no plural? Isto é erro de concordância verbal. Nada mais.

São duas formas coerentes quanto ao uso do sujeito: “Meninas de 11 a 13 anos… Fiquem atentas.” Ou “Menina de 11 a 13 anos… Fique atenta”. A mescla do plural com singular, ou vice-versa, é que é uma forma não ideal. Note que cartazes têm essa mania – Compareçam ao clube Cupuaçu (nome fictício), e logo depois… Você é nosso convidado.

Se o convite recai melhor no singular – você, fulano, o convidado… é ideal que não se use o plural na sequência. Você vai pela rua e lê “Concorram a um carro” – para entender a mensagem, você tem que ler para si e para o outro. Concorra a um carro – você está lendo para si, assim como o outro lê também para ele mesmo. Ou tudo singular, como agora, ou tudo plural; mas esta não seria ideal, porque os interessados não vão ler o texto ao mesmo tempo. Não seria isso?

Até a próxima.

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