Você conhece o verbo ‘adentrar’? Usa-o como sinônimo do popular ‘entrar’? Certamente, você não diz “Acabei de entrar para dentro de casa”, como soe acontecer com alguns desavisados. Perdoemos o homem iletrado, entretanto, que poderia usar “Nunca entrei dentro desse salão”, referindo-se à monumental Igreja do Bonfim, em Salvador, a capital dos festeiros soteropolitanos e de todos os baianos.
Entrar é verbo intransitivo. Nada se precisa dizer ao ser usado, exceto que se diga o lugar em que se deu a entrada – o chamado adjunto adverbial de lugar. Ele entrou na loja. Adentrar, por outro lado, muito usado em matéria jornalística ou jurídica, é verbo transitivo direto – tem o objeto direto como complemento. Quem adentra, adentra um lugar. Não se pode, porém, como vem acontecendo em alguns artigos de cunho policial nesta Cidade, dizer “adentrou no recinto”. Ou se diz “Entrou no recinto” ou “Adentrou o recinto”. No primeiro contexto, temos o adjunto adverbial de lugar (no recinto), por ser verbo intransitivo, e no segundo, o objeto direto (o recinto), por ser verbo transitivo direto.
Não fica mais elegante assim? Note como fica claro: Ele entrou na loja. Ele adentrou a loja. “Adentrar na loja” é muito similar a “Entrar para dentro”.
A lei seca tem tentado coibir alguns incautos que bebem e querem dirigir. Dia desse, um motorista mais ébrio que bebum na festa de Pamplona, na Espanha, a correr atrás de boi-miúra – tem um chifre de arrebentar tripa de elefante – disse: “Não tem problema; eu ganho mais de vinte mil por mês… para pagar essa multa” (pouco mais de cem reais).
A lei tem boa intenção; o que falta é Ética a alguns que bebem no momento errado. Muitos invólucros de bebidas alcoólicas (al-co-ó-li-cas – soletre corretamente) têm trazido a advertência “Se beber não dirija”. É que essa expressão deveria, por estar em ordem inversa, conter uma vírgula – Se beber, não dirija.
A ordem direta, nesse caso, é começar com a oração principal – ‘… não dirija’. “Se beber” é oração subordinada adverbial condicional, e como sua função é completar o sentido da principal, deve vir após esta. Note que veio em primeiro plano, e por isso deveria ser separada por uma vírgula, embora a ausência da vírgula não prejudique o aspecto semântico da frase. Se beber, não dirija.
Colocada na ordem direta (já explicada), nesse momento a vírgula é dispensada: Não dirija se beber. O que se pensa é que alguém poderia considerar a ordem direta menos enfática, razão por que dá preferência à indireta. Vejo que alguém começou esse bordão ‘Se beber não dirija’ motivado por propaganda que se tornou conhecida, e agora todos pensam que essa é a melhor ordem.
E não é. Quem a escolhe é você. Uma ou outra, todavia, ambas são corretas, mas o livre arbítrio da escolha é que decide o estilo de cada escritor. A imitação ou a cola é que não devem existir.
O uso de vírgula em excesso – é bom que se lembre isso – dá a virgulose, um erro tão eficaz quanto o fato de nenhuma vírgula ser usada.
A expressão direta ou indireta é dirigida a quem lê, e quem é o sujeito da frase? É exatamente o leitor, que, pela terminação verbal, trata-se de “você”, o sujeito oculto da frase. Se beber – quem? Você. Não dirija – quem? Você.
Gostou do comentário? É que essa frase, muito conhecida na ordem inversa (ou indireta), poderia ser considerada incorreta em outra, que não é do conhecimento do fulano que bebe.
A propósito, ‘alcoólicas’, palavra que nem sempre é bem pronunciada, não deve ser confundida com ‘alcoólatras’, pessoas que ‘amam’ o álcool. Assim, deve-se dizer que existem Associação de Alcoólatras Anônimos, aquelas que tentam tirar o vício do cidadão. A comumente usada não tem muita lógica no seu aspecto semântico para a finalidade a que se destina: Associação Alcoólica Anônima.
Também a propósito, o plural de álcool é álcoois, a mesma regra usada para anzóis, caracóis etc. Palavra terminada por AL, EL, OL e UL perde este grupo de fonemas e recebe IS para formar o plural. Cite outros exemplos: canal, canais; revel, revéis; rol, róis; azul, azuis. Não se trata do caso de palavra terminada por IL – civil, civis; pueril, pueris; as oxítonas. As paroxítonas seguem outra regra – perdem L e ganham EIS: difícil, difíceis; fácil, fáceis.
Para terminar, um grupo que é contra a terceirização de serviços, assunto que está em pauta no Congresso através de Projeto de Lei, divulgou um bonito cartaz na Cidade comentando esse suposto prejuízo para os trabalhadores. Entre os dizeres, há este: “Direitos não se reduz, se amplia”. O analista quis referir-se, certamente, aos direitos constitucionais englobados nas cláusulas pétreas. Isso é correto. No entanto, o texto no Português escorreito, por se tratar de voz passiva sintética, deve ser “Direitos não se reduzem, ampliam-se”, assim como é dito “Alugam-se apartamentos, Vendem-se tijolos”.
Fico por hoje. Um abraço.