Vê-se, em lanchonetes, padarias e em outros pontos comerciais, a expressão “mine salgadinhos”, para indicar pequenos pastéis, coxinhas, empadinhas etc. Como pode ser analisada a grafia ‘mine’? Ela existe? Para esse caso, não. “Mine”, do verbo minar, indica a terceira pessoa do singular no presente do subjuntivo. Ou a forma imperativa desse verbo para o sujeito ‘você’. Nada mais. Para o uso comercial, sob a semântica de ‘diminuto, mínimo, pequenino’, confirma-se que muitos alteram a grafia do prefixo ‘mini’, o que se trata de um hábito incivil, inadequado. Se nossa convivência diária com o idioma diz que se deve acatar a forma de escrever os vocábulos, de pronunciá-los corretamente, este, tão comum no dia a dia em minissaia, miniproduto, miniforno, minicavalo, deveria ser mais um a ser respeitado. Não se pode proceder dessa forma, e reclamar de um incauto que avisa “Concerta-se bicicleta” – é que a bicicleta dele soa tão bem quanto um violoncelo, certamente! Este aviso aparece em ponto distante do centro da cidade, longe dos olhos críticos; aquele, com a grafia ‘mine’, é usado a toda hora em embalagens de diversos produtos comerciais, no centro, e acaba dizendo que o errado é o certo. Quantas vezes essa expressão é lida por dia? Quem a lê?
Somado o número de vezes, que deve ser alto, e visto o nível cultural de quem a lê – que deve ser de mediano a alto –, a influência que essa grafia imprime no cérebro do leitor é altíssima, e a partir dessa aula, alguém até duvida de que essa não seja a grafia correta. Nesse diapasão, vão alterando outras grafias – de nomes populares a nomes próprios, deixando o idioma solto na boca de um falante inseguro como um caramelo duro na boca de um banguela. Serve a comparação?
Muitas palavras passam do certo para o errado, e ganham vida, corpo, e alguns admitem que isso não é problema. Não vejo essa leitura como similar a uma expressão regional de um falante iletrado, cujo conhecimento é ágrafo. Não escreve. Apena, fala. Vejo essa forma de uso pessoal como desleixo, embora não goste de tachar o usuário. Mas preciso dizer: é superior a comparação entre o nível intelectual de falantes – o que domina e o que não domina o conhecimento gramatical.
Como você grafa “alicerce”? Você fala corretamente? Claro que sim – que sabe grafar e falar. Como você escreve “açúcar”? Alteraria a grafia e a pronúncia? Se eu escrevesse “assúkar”, para ficar mais chique, o que você diria sobre meu nível cultural? Por que não posso escrever “realisável” ou “analizável”? Porque não posso alterar a grafia de vocábulos a bel-prazer; porque, se o fizer, seria eu um analfabeto. Diria você que precisaria frequentar os bancos escolares e reformular meu modo de ver o idioma, para usá-lo corretamente. Sim. Nesse caso, como você justifica o comportamento de pessoas letradas, que vivem no comércio e dele vivem, de mudar a grafia de muitas palavras? Justifique, por favor, que estou a escutar seu ponto de vista, sua defesa.
Se temos a mania de desrespeitar sinais, ordens; se temos dificuldade em acatar normas, por outro lado, não se pode modificar o idioma por iniciativa particular – só vale o coletivo. Todos mudamos e/ou todos seguimos o que se determina no compêndio normativo. Ou todos, ou ninguém. Só vale o coletivo, não o individual. Como não vale a intenção de certo deputado, assessorado por um ou dois gramáticos – que se dizem gramáticos! –, modificar a Língua Portuguesa. Se ainda não foi bem aprendida como está, como modificá-la, a todo o momento, para coisas nebulosas? Se continuarem assim, está na hora de o Governo brasileiro implantar no Brasil o Esperanto como idioma oficial!
O editor-chefe deste jornal (sim, o jornal Alerta) conta a história de alguém que pediu ao amigo que lhe enviasse tantas sacas de ‘cal’. Para que fulano quer tanta cal? Será que tem muitas paredes para pintar? Vai revender o produto. Mas o enviou. O de lá, ao receber a cal, fez contato com o solicitado para reclamar da remessa inusitada. Rapaz, não é cal; é sal! É que eu me esqueci de usar o cê-cedilha!
Essa vale mais que o uso de ‘mine’. Meu Deus!
A propósito, concordo que a grafia ‘minissalgadinhos’, conforme a exigência da atual Reforma Ortográfica, é difícil – mini, terminado em i, exige que a pronúncia do termo seguinte seja respeitada. Como o seguinte começa por s, para que não fique com o valor do fonema zê, dobra-se o s inicial – minissalgadinhos, porque o hífen nesse caso não seria necessário. Se o uso fosse ‘mini salgadinhos’ ou ‘mini-salgadinhos’, nenhum atenderia ao padrão gramatical moderno, MAS seria aceitável. Se a grafia correta é incomum, exótica é a alteração de i para e. Não concorda?
O espaço acabou. Mas me dê um cantinho – não gosto da expressão “A campanha política está na sua reta final”. Toda expressão tem seu oposto… Se dissimular tem o sinônimo de simular, o mesmo que fingir, seu antônimo é deixar claro, esclarecer, não enganar. Se a expressão citada acima está correta, deveríamos ter “A campanha política está na sua reta inicial”, como o campeonato de futebol. Reta inicial? Ninguém a usa! Ora, a outra também não deveria circular. Por que criam algo tão estranho? Responda. Qual a resposta: A campanha política está no seu início. Ou – a campanha política está no seu fim. Aceite “reta final” se você disser “reta inicial”. Se não usar uma, não use a outra. Existe o final da reta como o início da reta. ? Mas não se trata da expressão usada na Política.
Um abraço.
- João Carlos de Oliveira, professor jubilado, formado em Letras, com especialização em Língua Portuguesa; advogado, pós-graduado em Direito Civil, membro-correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (de Cachoeiro de Itapemirim, ES), poeta, cronista, colunista linguístico. Acesse www.clubedeautores.com.br, e adquira ‘Em cada canto’.