Costumo questionar, bastante, o fato de dizerem que um profissional, ao fazer um curso de aperfeiçoamento, está fazendo ‘reciclagem’. Parece, simplesmente, ‘jogar palavras fora’, por um fato não ter relação com o outro.
Não se diz que um médico é ‘reciclado’ em geriatria, pelo fato de ele ter feito especialização nessa área. Formou-se, especializou-se na área geriátrica (que trata da vida longa das pessoas, isto é, em outros termos, da velhice). Agora, é um geriatra. Isso não é reciclagem. É especialização.
Reciclagem é assunto comum quando se trata de transformar um produto em outro – o plástico de diversos aspectos vai ser reindustrializado e transformado em novo plástico, com utilização diversa. Faça de conta que se pega uma quantidade enorme de cordas velhas, aquelas vindas do sisal, e juntas vão servir para o feitio de um tapete, mesmo rústico. Isso é reaproveitamento de produtos, isso é reciclagem. Um artista plástico pega vários jornais e, trabalhando-os, transforma todo o material em vasos de ornamentação ou sofás, com certa durabilidade. Houve nesse processo a reciclagem de um produto, transformando o mesmo material, em que o A se trasmudou em B. A criatividade foi o processo-chave para a transformação de um produto em subproduto, por exemplo.
Queira concordar comigo – sou professor de Língua Portuguesa, estou fazendo um curso novo para aprender mais alguma coisa. Certamente, ao terminar o curso, vou obter uma nova qualificação, uma especialização. Passarei a ser um especialista em uma área, como Linguística. Então, eu fui ‘reciclado’? Quer saber de uma? O que é reciclado, numa linguagem grossa, é lixo!
Uma senhora disse, num bate-papo, que reciclava ‘os sacos plásticos’ que chegavam a sua casa. Como? Que ela apanhava os saquinhos plásticos de supermercado, e neles colocava o lixo de casa, levando-os até a rua para o caminhão pegar. Que estava “reciclando”? Isso é reciclar? Simplesmente, ela estaria reutilizando o saco plástico para uma nova função – transportar o lixo de casa. Ela poderia usar o saco plástico para guardar comida, proteger a roupa ou empacotar frutas. Não seria isso?
Repito minha opinião – fico espantado quando um palestrante diz que todo profissional precisa fazer ‘reciclagem’ para ter oportunidade de novo trabalho. O profissional precisa fazer uma nova especialização ou atualização para obter nova qualificação profissional.
Mesmo que o dicionário diga que reciclar, atualizar e especializar sejam verbos sinônimos, seria a mesma coisa usar o verbo bramir – o leão brame (ou ruge) – para a vaca? (ela muge), alegando que tudo trata de ‘vozes dos animais’. O pinto pia, o sabiá pia, o galo canta, mas o sapo coaxa, o boi muge, o carneiro berra, o grou grasna, o lobo uiva, o pintassilgo chilreia, o gato mia etc.
Se o poeta comenta a musicalidade dos versos de Cecília Meireles, isso não quer dizer que tenha havido uma ‘alegoria’. Fez uma referência. Parecem-se, mas não são a mesma coisa. Como representação de conceitos abstratos por figuras simbólicas, a alegoria aparece na festa do boi-bumbá. Isso seria uma ‘citação’ do mundo folclórico ou cultural, mas não é exatamente uma referência, que seria ‘o conjunto de dados’ para fazer a comparação com o crime contra mulheres – quantas são violentadas, física e moralmente, em todo o Brasil, por dia?
Para terminar, vai um conselho – certa loja escreveu ‘suatiãns’, para indicar a venda dessas peças. Ora, a grafia é duvidosa? E muito – se houver a permissão de se escrever ‘ans’, o til não pode ser usado; se houver o til, ‘ans’ não pode ser usado. Ou uma grafia ou outra. Digamos que haja uma variante gráfica – sutians ou sutiãs, mas as ‘duas’ grafias em uma só, nunca. Foi possível entender?
Um cidadão discutia que a nova economia brasileira estaria ‘desacelerada’, para dizer que estava muito alta, por que seu dinheirinho da aposentadoria não dava para comprar ‘quase nada’. Ora, meu caro intérprete, ‘desacelerar’ é diminuir, como fazer o veículo parar, desacelerando-o. Se a economia estiver desacelerada, logo teremos a deflação, que é a diminuição dos preços. Ele queria dizer que a economia estaria ‘acelerada’. Isso acontece quando o cidadão quer dizer que o governo tem ‘o direito’ de atender bem o povo – o governo tem o dever, e o povo tem o direito de ser bem atendido.
Ainda parece com o caso de um cidadão dizer que comeu demais – que cometeu ‘um dizageiro’, por isso estaria com dor de barriga, como se a comida não tivesse sido ‘distruída’ em seu estômago. Você confunde ‘digerir’ com ‘destruir’?
Estarei aqui na semana entrante. Um abraço.