Português do Dia a Dia (05 de agosto/2015)

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Fui convidado a verificar possíveis defeitos de escrita num texto. Aqui uma coisinha, ali outra, e havia de fato alguns detalhes a ser corrigidos. Foi feita uma explicação. Até o ponto em que veio uma versão diferente: o termo ‘infanto-juvenil’, grafia que seria de minha visão, deveria passar para ‘infantojuvenil’, na visão do outro. Discordei, mas ficou sem o hífen.
Como se explica a grafia com hífen? Infanto-juvenil, adjetivo composto, segue a regra geral da Gramática Normativa – só flexiona o segundo elemento, quanto a gênero e número: infanto-juvenis. Todos esses compostos estão cumprindo a mesma norma: social-democrata, social-democratas; nova-iorquino, nova-iorquina, nova-iorquinos, nova-iorquinas; sino-português, sino-portuguesa, sino-portugueses, sino-portuguesas (‘sino’, aqui, é o mesmo que chinês – um acordo sino-português é aquele que se dá entre China e Portugal), assim como um nipo-brasileiro, que se dá entre o Japão e o Brasil.
Não temos visto no Novo Acordo Ortográfico que se tenha a obrigação de fazer ‘socialdemocrata, novaiorquino’ etc. Por que alguns têm o hífen, e outros, não? Essas dúvidas é que vêm causando grafias estranhas.
Fico com afrodescendente, mas não vejo mérito em se escrever ‘politicopartidário’ no lugar de ‘político-partidário’, que gera as flexões político-partidária, político-partidárias e político-partidários.
São muitos os casos. ‘Sócio-político’ ou ‘sociopolítico’? Ou ambos? Aprendi, há anos, a escrever ‘sadomasoquista’, mesmo antes da Reforma Ortográfica, não se devendo dizer que essa escrita se deve, agora, à exigência de nova regra.
Vamos escrever assim: socioeducativo e suas flexões, psicossocial e psicossociais, psicossomático e flexões, socioeconômico e flexões, mas político-criminal e político-criminais, artístico-cultural e artístico-culturais, assim como infanto-juvenil e infanto-juvenis. Mesmo que seja um comentarista da área linguística, e tenho certo conhecimento para isso, venho discordar – em parte pelo menos – da Reforma Ortográfica, que impõe nova forma de escrever para toda a Língua Portuguesa, ainda mais em se tratando de novas obrigações para o linguajar de Portugal, qualquer que seja o nível, já que eles se posicionam de forma diferente de nós.
O idioma não é estático, é dinâmico – sofre mudanças constantes, mas são grandiosas as ‘naturais’ entre a mescla do falar regional, talvez iletrado, com o culto ou erudito; a imposição me assombra e tem a faceta de dificultar e não de facilitar. Vejo assim, e por isso não gosto muito de certas normas, embora as comente nesta coluna. Basta até aqui. Por outro lado, busco a tendência dos grandes veículos de comunicação para aprender o norte lógico de escritas que oferecem dúvida.
Será que só inventam regras para dificultar?
Brincando um pouco, vamos falar da singularidade regional. Um garoto conta que, numa prova de Português, escreveu ‘touro’ como o marido da vaca, e que foi repreendido pela professora de que sua resposta foi incorreta. Que a regra exige que se diga “boi”, mas o garoto aprendeu que ‘boi’ é o macho bovino castrado, usado na canga do carro de boi (o castrado fica robusto), ou vai para o açougue. A professora viveu esse detalhe na sala de aula, diferente da vivência direta no campo, como a do garoto, que tirava leite com o pai? Pois é, senhora professora, o marido da vaca não é o boi – esse, coitado!, não reproduz – ele não ‘cobre’ a fêmea, não cruza. O marido da vaca é o garrote, o reprodutor, o touro, o marruás.
Um item que chama a atenção é o gênero do substantivo ‘personagem’ – masculino ou feminino? A Gramática diz que é comum-de-dois gêneros, isto é, o personagem ou a personagem. Pode-se dizer, então, que João é uma personagem, e que Maria é um personagem da novela? Fica uma dúvida. O povo passa a usar desta maneira: o personagem para o homem, e a personagem para a mulher. Não se trata disso como regra, mas assim tem acontecido em muitos textos. Como observador comum, encontro o texto que se refere a homens e diz ‘esses personagens’ e ao falar sobre mulheres usa ‘essas personagens’. Essa ‘seleção’ não é obrigatória – ambas as formas estão corretas. Os personagens ou as personagens. Particularmente, considero mais interessantes que sejam no feminino, assim como se usa ‘a vítima’, ‘a criança’ para ambos os sexos. Não gosto, entretanto, de ver alguém dizer que “Vó é carrasca”, mas ela é um carrasco.
As mudanças são muitas. A palavra “campus”, usada para indicar o local em que se situa uma universidade, nas suas diversas áreas, é usada sem o acento gráfico – é forte na primeira sílaba, mesmo sem o circunflexo. Seu plural é ‘campi’. Acontece, porém, que alguns veículos de comunicação passaram a usar ‘câmpus’, com o acento gráfico, indicando ser uma palavra paroxítona, para não ser confundida com a pronúncia de ‘anus’ (aves), por exemplo, que é oxítona. Por outro lado, no caso do plural, teriam também que usar o mesmo acento – câmpi – para não confundir com a pronúncia de ‘jabuti, caqui, juriti’, palavras oxítonas. Usam o sinal gráfico em uma flexão (no singular) e não o usam em outra (no plural). Não há um padrão. Isso é um erro. Ora, se os grandes erram, imagine criticar o pobre analfabeto. Continuam alguns a usar “Eles tem”, quando deveria ser “Eles têm”, diferente do singular “Ele tem”, acento diacrítico exigido pela Gramática.
Fiquemos para a próxima.