Pesquisa da UFSB indica que ganhos de vegetação secundária na Mata Atlântica não compensaram perdas de estoque de carbono e áreas de conservação

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Uma equipe de cientistas analisou 37 anos de dados sobre a cobertura vegetal da Mata Atlântica e concluiu que a regeneração vegetal ocorrida desde 1985 não é o bastante para compensar as perdas em estoque de carbono e em áreas de conservação

Os resultados apontam para a necessidade de frear o desmatamento de florestas primárias e investir em métodos ativos de restauração de áreas degradadas como complemento à regeneração natural. A pesquisa foi descrita no artigo Secondary natural vegetation gains in the Atlantic Forest do not offset losses of carbon stocks and conservation of priority areas, publicada na revista Biological Conservation, e assinada por um time internacional de cientistas, do qual participa o professor Luiz Fernando Silva Magnago, do Centro de Formação em Ciências Agroflorestais (CFCAF/UFSB), no Campus Jorge Amado. O foco da investigação científica foi analisar tendências da cobertura vegetal e seus efeitos em estoques de carbono e áreas de conservação no bioma Mata Atlântica. O trabalho teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Ao todo, o Brasil teve uma perda de 96 milhões de hectares de cobertura vegetal natural em diferentes biomas nos últimos 40 anos. Os dados de mudanças na cobertura de vegetação natural da Mata Atlântica de 1985 a 2021 comprovam o desmatamento de 12,8 milhões de hectares das florestas no período, com aumento na fragmentação e redução do tamanho médio desses fragmentos de matas. De lá até 2021, a vegetação secundária recuperou 8,6 milhões de hectares. O ponto é que 3,8 milhões desses hectares apresentaram o que os pesquisadores chamam de regeneração efêmera: não voltaram a ser áreas florestais. A perda de áreas pioritárias de conservação natural correspondeu a 1,2 milhão de hectares. 

Conforme o professor Luiz Fernando Magnago, a pesquisa ganha relevância no contexto da Década da Restauração de Ecossistemas, declarada pela ONU para 2021–2030, que visa recuperar ecossistemas degradados, aumentar o sequestro de carbono e fortalecer a biodiversidade. A Mata Atlântica, por ser um dos biomas mais ameaçados e biodiversos do Brasil, concentra grande parte dos esforços de restauração nacionais. “Nosso estudo mostra que não basta apenas permitir a regeneração secundária; é preciso priorizar a proteção da vegetação primária e monitorar a persistência das áreas regeneradas para que os esforços de restauração realmente beneficiem biodiversidade e clima”, afirma Magnago.

Com isso, registrou-se a perda de 4,2 milhões de hectares de vegetação natural, correspondendo a cerca de 10% da cobertura primária presente em 1985. Isso significa que o estoque de carbono apreendido pela vegetação secundária persistente, de 0,170 gigatoneladas (Gt), não bastou para compensar o carbono liberado na destruição da vegetação florestal primária no período, calculada em 1,4 Gt. O professor Magnago avalia que “embora a vegetação secundária seja importante para reconectar paisagens fragmentadas, sua instabilidade ameaça tanto a biodiversidade quanto o sequestro de carbono”.

Regeneração efêmera: a mesma área em quatro momentos (2010, 2018, 2020 e 2025)

Recuperação interrompida
Por vegetação secundária se entende a cobertura vegetal que surge após a degradação de uma área por desmatamento, em um processo de sucessão de espécies: as árvores derrubadas são substituídas por espécies vegetais menores e, se deixadas sem impactos por muito tempo, as espécies sucessoras podem se tornar florestas. Globalmente, esse processo ocorre devido a mudanças socioeconômicas na exploração de áreas. Uma área de vegetação secundária leva, naturalmente, muitas décadas de processos sucessionais, nos quais espécies vegetais surgem e sucedem umas às outras, até que se tornem floresta e tenha o mesmo efeito de sequestro de carbono e de abrigo de biodiversidade vegetal e animal de uma floresta primária. Isso, claro, se essa área não for degradada novamente em alguma atividade econômica, configurando uma regeneração efêmera.
Conforme o professor Luiz Fernando Magnago, “a regeneração efêmera acontece quando áreas que começam a se recuperar são novamente convertidas em usos antrópicos, como pastagens, agricultura ou áreas urbanas. Isso pode ocorrer por fatores socioeconômicos, como a pressão pela expansão agrícola e o valor econômico associado ao uso do solo. Desta forma, o avança da regeneração natural não é um processo ecológico garantido, sendo diretamente influenciada pelo contexto social e político estabelecido.”

Os cientistas realizaram uma análise espaço-temporal da dinâmica da vegetação, considerando a perda de florestas primárias, a regeneração natural persistente e a regeneração efêmera, com cálculo dos impactos em estoque de carbono e biodiversidade. Para isso, imagens e dados da área do bioma Mata Atlântica, conforme limites informados pelo IBGE (cerca de 13% do território nacional), foram processados com uso do MapBiomas v9, considerando uso e cobertura da terra e vegetação secundária na paisagem ao longo do período de 37 anos. As métricas para avaliar a paisagem foram o índice de agregação, o número e o tamanho médio de fragmentos florestais, a distância média entre esses fragmentos e o perímetro total. 

No trabalho de análise desses dados, a equipe considerou também o potencial de estoque de carbono caso as áreas de cobertura vegetal secundária tivessem todas sido intocadas. Esse cenário hipotético serviu para mensurar o impacto de medidas de conservação no bioma da Mata Atlântica. Cada bioma e cada tipo de vegetação terá diferentes capacidades de estocar carbono, por conta da variação climática e da extensão territorial do Brasil. Assim, o Mapa de Vegetação do IBGE serviu de referência para a localização espacial dos tipos de vegetação na área estudada, permitindo avaliar as suas diferentes taxas de acúmulo por hectare de cobertura vegetal.
Para estimar esse potencial, foi também considerado o período de 80 anos, tempo estimado na literatura especializada para que uma área de cobertura vegetal secundária atinja os graus de oferta de serviços ecossistêmicos comparáveis ao de uma floresta primária por conta própria, sem intervenção humana. Por fim, para chegar ao montante potencial de US$ 3,88 bilhões em estoque de carbono nas áreas de vegetação secundária, caso sejam totalmente regeneradas, usou-se o valor de US$ 4,8 por tonelada de carbono retirada da atmosfera, conforme o Mercado Voluntário de Carbono em 2025. 

Conservar o que ainda existe e acelerar a recuperação

área secundária regeneração efêmera 20 anos entre as fotosNa conclusão, os autores do estudo indicam que será preciso adotar ações e políticas que permitam combinar os métodos de restauração florestal passiva, quando a natureza é deixada sem impactos, e a restauração ativa, com intervenção humana planejada. Há casos de áreas muito degradadas por muito tempo, nos quais a recuperação natural da vegetação é altamente improvável. 

O professor Luiz Fernando Magnago destaca que a restauração florestal passiva tem baixo custo, porém, depende de paisagens com alta resiliência para que os fragmentos voltem a se conectar com o passar do tempo. “O estudo mostrou que, sozinha, ela não é suficiente diante da urgência climática e da perda contínua da vegetação primária. A restauração ativa, com métodos de restauração com plantio direto, entra como complemento estratégico. Isso inclui o plantio de espécies nativas adaptadas ao local, a condução da regeneração natural (com remoção de capim e espécies invasoras). Métodos ativos aceleram o processo sucessional, aumentam a diversidade de espécies e, sobretudo, garantem maior estabilidade para que a vegetação secundária não seja perdida novamente.”

Outro resultado do estudo é a proposta de novos critérios para mensurar a conservação, indo além do dimensionamento de áreas. O professor Magnago pontua critérios que considera fundamentais em um novo paradigma para essa avaliação.  Dentre eles, a persistência no tempo, com estabilidade da vegetação, sem desmatamento; a biodiversidade, com espécies nativas e presença de grupos funcionais importantes; a estrutura da floresta, considerando altura, biomassa e complexidade da vegetação, fatores de influência direta no sequestro de carbono e no fornecimento de habitat para a fauna e flora. Também devem ser analisadas a conectividade da paisagem, que tem a ver com a capacidade do processo regenerativo na área estudada para unir fragmentos de mata e reduzir o isolamento das populações, e a presença das funções ecológicas, ou serviços ecossistêmicos, como dispersão de sementes, ciclagem de nutrientes e regulação climática local. Para o professor Magnago, em adição à contagem de hectares de uma área, “esses critérios ajudam a diferenciar entre uma regeneração de baixa qualidade, que pode se perder rapidamente, e uma regeneração de alta qualidade, que de fato contribui para a conservação da biodiversidade e para a mitigação das mudanças climáticas”.

Dentre as opções em termos de políticas públicas, os autores sugerem a proteção de áreas em regeneração jovem, com menos de oito anos e mais vulneráveis ao corte, bem como o estabelecimento de pagamentos por serviços ambientais e créditos de carbono. O monitoramento ambiental também deve contemplar a atenção com a estabilidade e a maturação da cobertura vegetal, para além da área total de cobertura.

O professor Magnago ressalta que o estudo tem implicações diretas para a restauração florestal no Sul da Bahia. Projetos como o Restaura Una e a REDE PPBio Beira Mar trabalham para testar métodos de restauração em áreas degradadas e promover a conectividade entre fragmentos, fortalecendo a biodiversidade local e contribuindo para o sequestro de carbono: “Investir na preservação de grandes áreas contínuas de floresta e na consolidação da vegetação secundária persistente é essencial para a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos e o combate às mudanças climáticas”. Por Heleno Rocha Nazário / Jornalista – Mestre em Comunicação Social (PPGCOM/PUCRS) e Coordenador do Setor de Jornalismo – ACS

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