Marcelo Casal JR/AG Brasil
Nesta segunda-feira (14), o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma medida que promete sacudir o cenário jurídico e trabalhista brasileiro. O ministro Gilmar Mendes decidiu suspender todos os processos em tramitação no país que discutem a legalidade da “pejotização” – prática em que empresas contratam trabalhadores como pessoas jurídicas (PJ) para evitar vínculos empregatícios formais.
A decisão, publicada no âmbito do Tema 1389, reforça a relevância do assunto, que teve sua repercussão geral reconhecida pela Corte no último sábado (12).
Com isso, o STF seleciona um caso específico para servir como referência a todos os tribunais brasileiros, unificando o entendimento sobre a pejotização. A medida, que paralisa milhares de ações na Justiça, reacende o embate entre o Supremo e a Justiça do Trabalho, especialmente após decisões históricas da Corte, como a de 2018, que liberou a terceirização irrestrita, incluindo atividades-fim de empresas.
Um conflito de anos
O confronto entre o STF e a Justiça Trabalhista não é novo. Desde 2018, quando o Supremo declarou inconstitucional uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que limitava a pejotização, a Corte tem derrubado decisões que reconheciam vínculos empregatícios. Para a maioria dos ministros, a terceirização amplia a “liberdade de organização produtiva” e reflete a modernização das relações de trabalho, conforme destacou Gilmar Mendes, relator do tema.
No entanto, a Justiça do Trabalho tem resistido a esse entendimento, o que gerou um volume expressivo de recursos no STF. Apenas no primeiro semestre de 2024, as duas turmas da Corte julgaram mais de 460 reclamações constitucionais – ações em que empresas contestam decisões trabalhistas que contrariam a orientação do Supremo. No mesmo período, foram proferidas 1.280 decisões monocráticas sobre o tema.
“Esse descumprimento sistemático pela Justiça do Trabalho cria grande insegurança jurídica e transforma o STF em uma instância revisora de decisões trabalhistas”, criticou Mendes na decisão.
O caso paradigma e o futuro da pejotização
O processo escolhido para guiar a decisão do STF envolve um corretor de seguros franqueado e uma grande seguradora, mas suas implicações vão muito além. Gilmar Mendes deixou claro que o julgamento deve abordar todas as formas de contratação de trabalhadores autônomos ou via pessoa jurídica, incluindo profissões como representantes comerciais, corretores de imóveis, advogados associados, profissionais da saúde, artistas, programadores de TI, motoboys e entregadores.
Quando o plenário do STF julgar o caso – ainda sem data definida –, três questões centrais serão respondidas:
- Se a Justiça do Trabalho é a única competente para julgar casos de suposta fraude em contratos de prestação de serviços;
- Se é lícito contratar autônomos ou pessoas jurídicas para serviços, considerando a decisão de 2018 sobre terceirização;
- Quem deve provar a eventual fraude em contratos: o trabalhador ou a empresa?
Pejotização e Uberização: duas faces da mesma moeda
A pejotização está intrinsecamente ligada à chamada “uberização”, fenômeno que ganhou força com plataformas digitais como Uber, Rappi e iFood. Essas empresas contratam trabalhadores como autônomos, sem vínculo empregatício, o que gera intensos debates sobre direitos trabalhistas. Em fevereiro de 2024, o STF já reconheceu a repercussão geral de um recurso sobre a uberização (Tema 1291), que questiona a relação entre motoristas de aplicativos e as plataformas.
Ambos os temas colocam em xeque o equilíbrio entre a flexibilização das relações de trabalho e a proteção dos direitos dos trabalhadores, em um contexto de transformações tecnológicas e econômicas. A decisão do STF sobre a pejotização pode, portanto, reverberar em diversos setores da economia, impactando desde grandes corporações até trabalhadores autônomos em aplicativos.
Insegurança jurídica e expectativas
A suspensão dos processos é vista como um passo para conter a avalanche de ações que chegam ao Supremo, mas também levanta preocupações. Para empresas, a pejotização é uma ferramenta de redução de custos e maior flexibilidade. Já para trabalhadores, a ausência de vínculo empregatício pode significar menos direitos, como férias, 13º salário e FGTS.
Enquanto o STF não define um entendimento final, o Brasil segue em compasso de espera, com milhares de processos paralisados e um debate acirrado sobre o futuro do trabalho. A decisão de Gilmar Mendes reforça a centralidade do Supremo na resolução de conflitos que moldarão as relações trabalhistas nas próximas décadas. Por Alan.Alex / Painel Político