Para além do PT e do MDB, a Lava Jato vai chegar nos maus juízes?

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A Lava Jato e o mensalão já revelaram medonhas falcatruas praticadas pelas cúpulas de várias empresas assim como de todos os partidos cartelizados no Brasil, que representam a velha ordem patrimonialista mafiosa. Para a cadeia já foram membros do PT e do MDB e um ou outro dos demais partidos envolvidos.

O povo nas urnas de 2018 fez uma boa faxina e eliminou da política uma parte considerável dos inimigos da honestidade pública. Na fila lenta do Judiciário encontram-se próceres da política, do mercado financeiro assim como da mídia. Mas a pergunta que a sociedade faz é se a Lava Jato chegará nos juízes, sobretudo dos Tribunais Superiores.

Fontes de diversas linhagens afirmam que estão em andamento duas delações premiadas bombásticas que podem jogar alguma luz na faixa obscura e patrimonialista do lado podre da magistratura brasileira. São as delações de Sérgio Cabral, ex-governador do RJ e Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio também do RJ.

O CNJ já eliminou ou puniu mais de uma centena de maus juízes. Agora chegaria a vez dos que se enriqueceram indevidamente no cargo.

Cabral já foi condenado a 198 anos de prisão. Não vejo sua eventual delação como um escárnio ou uma desmoralização para a Justiça. Tudo depende dos termos do acordo. Se suas informações e provas forem muito relevantes, poderia ser premiado por isso e ajudaria a sociedade.

Cabral, por mais mafioso que seja, não ocupa o posto máximo na hierarquia das redes criminosas instaladas dentro da estrutura de poder no Brasil. Escárnio maior é não contar com provas para poder condenar os “chefões” da corrupção, os barões, assegurando-lhes a odiosa impunidade.

O acordo com Cabral não teria que ser necessariamente “generoso”, senão justo (equilibrado, sensato, prudente), precisamente o que faltou naquela transação desequilibrada com os donos da JBS, que logo após a negociação foram para o aeroporto e entraram em avião próprio dando “tchauzinho” para o povo brasileiro. Ficamos todos atônitos e estarrecidos.

Aquilo se tornou intragável para todos os brasileiros. Felizes só ficaram Temer e Aécio, que tinham acabado de ser gravados pelo dono da JBS. Um mandando manter um esquema de propina para alguns presos (“Mantenha isso aí, viu”) e o outro pedindo R$ 2 milhões para o empresário. Ambos seguramente já estariam na cadeia se não fosse a grave falha citada.

O que Cabral pretenderia delatar, rompendo sua “omertà” (seu silêncio)?

Falaria, dizem, de segredos corruptivos que incriminariam sobretudo o Judiciário, revelando o lamaçal de alguns juízes bem como de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Também delataria muitos membros do Ministério Público.

Essas categorias, ao lado dos bancos (que lavou grande parte de toda corrupção no Brasil), até aqui foram preservadas nas investigações da Lava Jato. Palocci delataria o sistema financeiro nacional. Não se sabe se a Lava Jato rejeitou essa parte da sua delação ou se ela foi feita e ainda está encoberta. Por ora, a parte podre dos bancos está preservada.

Tudo isso evidencia o quanto a Lava Jato ainda não chegou onde deveria já ter chegado. Enquanto não destruídos os cupins que maculam as instituições, jamais teremos um sistema financeiro consolidado, um Judiciário forte, independente, imparcial e eficiente, um Ministério Público realmente defensor dos interesses públicos, um capitalismo competitivo e por aí vai.

Cabral não ocupa “o topo da cadeia alimentar na selva da corrupção”. Na complexa teia de relações e na hierarquia da Máfia das Propinas e dos Privilégios Perversos, antes e acima dos políticos há gente muito mais graúda, como por exemplo grandes empresários ou grupos corporativos e os agentes financeiros, sem contar os membros da Justiça que fazem parte do sistema de impunidade dos mafiosos.

Se queremos realmente alcançar o topo das máfias que comandam e roubam impiedosamente o Brasil, será muito bem vinda a delação de Cabral, desde que respeitados os parâmetros jurídicos vigentes (direito de defesa, autonomia da vontade etc.); o justo seria impor um bom tempo na cadeia e a restituição de todo o roubado, antes de começar a usar tornozeleira eletrônica.

Luiz Flávio Gomes
Sobre o autor

Criador do movimento de combate a corrupção, “Quero um Brasil Ético”. Delegado de Polícia aos 21 anos, Promotor de Justiça aos 22 e Juiz de Direito aos 25, exerceu também a advocacia. Fundou a Rede LFG, democratizando o ensino jurídico no Brasil. Doutor em Direito Penal, jurista e professor. Publicou mais de 60 livros, sendo o seu mais recente “O Jogo Sujo da Corrupção”. Foi comentarista do Jornal da Cultura. Escreve para sites, jornais e revistas sobre temas da atualidade, especialmente sobre questões sociais e políticas, e seus desdobramentos jurídicos. Em 2018 candidatou-se pela primeira vez com o objetivo de defender a Ética, a Justiça e a Cidadania. Eleito Deputado Federal por São Paulo – PSB com 86.433 votos.