Papa Francisco reverte decisão de Bento XVI e limita celebração de missas em latim

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Ele afirmou que cerimônias seguindo o rito antigo estavam sendo exploradas como forma de oposição às reformas mais recentes da Igreja e para dividir os fiéis

Papa Francisco segura cálice ao celebrar a Eucaristia durante misa na Basílica de São Pedro, no Vaticano, 22 de novembro de 2020 Foto: POOL / REUTERS
Papa Francisco segura cálice ao celebrar a Eucaristia durante missa na Basílica de São Pedro, no Vaticano, 22 de novembro de 2020 Foto: POOL / REUTERS

A medida de restringir o uso de um antigo rito em latim na celebração da missa, anunciada na sexta-feira, foi um golpe para os conservadores, que há muito reclamam que o Papa está diluindo as tradições da Igreja.

Francisco decretou novas restrições sobre onde e por quem a missa tradicional em latim pode ser celebrada e exigiu novas permissões dos bispos locais para seu uso.

A nova lei foi emitida pelo Papa apenas alguns dias após sua alta do hospital depois de uma cirurgia no intestino, em meio a dúvidas sobre se seu recente susto de saúde o retardaria ou aceleraria. Foi uma indicação de que o Papa pretende levar adiante sua agenda para a igreja.

Seu último golpe nas chamadas “guerras litúrgicas” da Igreja ocorre semanas depois que bispos americanos conservadores, muitos dos quais estão ligados à antiga missa em latim, rejeitaram a forte orientação do Vaticano para desacelerar um potencial confronto com o presidente dos EUA, Joe Biden, por seu apoio ao direito ao aborto. Nos últimos dias, prelados influentes em Roma também argumentaram que Francisco não cumpriu suas promessas de modernizar a Igreja.

Mas a ação de Francisco na sexta-feira foi ousada e concreta. Ele escreveu que acreditava que os campeões da antiga missa em latim a estavam explorando para se opor às reformas mais recentes da Igreja e para dividir os fiéis.

Repercussão

Grupos conservadores da Igreja recentemente aplaudiram decisões do Papa, incluindo sua anulação de um voto dos bispos para permitir padres casados em situações limitadas, e ao expressar preocupações sobre um projeto de lei sobre direitos de pessoas homossexuais que está sendo aprovado no Parlamento italiano. Mas alguns ficaram enfurecidos com a nova lei.

“Chocante e aterrorizante”, afirmou Rorate Caeli, um popular blog tradicionalista dos Estados Unidos. “Francisco nos odeia. Francisco ODEIA tradição. Francisco ODEIA tudo o que é bom e bonito.”

Apoiadores do Papa disseram que tais declarações exageradas demonstraram a necessidade de uma correção nas políticas de Bento XVI.

— O que eles estão dizendo sobre a decisão do Papa Francisco é um argumento muito bom para a decisão — disse Massimo Faggioli, professor de teologia da Universidade Villanova, que escreveu extensivamente sobre o assunto.

Embora concordasse com o Papa que a difusão da antiga missa em latim tinha sido usada para minar as reformas do Concílio Vaticano II, ele ficou surpreso com a nova lei.

— Isso é mais radical do que a maioria de nós esperava — afirmou.

Missas em latim

Na década de 1960, a Igreja buscou tornar a fé mais acessível com a liturgia em línguas vivas que faziam uso de expressões modernas em seus livros de orações. Mas nas décadas seguintes, os tradicionalistas recuaram e os pontífices conservadores permitiram que a missa em latim voltasse, incluindo padres voltados para o altar e não para a congregação, dizendo orações mais antigas e, o mais importante, usando apenas a língua latina.

O predecessor de Francisco, o Papa Bento XVI, relaxou as restrições à antiga missa em latim, também chamada de missa tridentina, em 2007. Foi um movimento visto como reflexo de uma mudança em direção ao tradicionalismo.

Em declarações divulgadas pelo Vaticano na sexta-feira, Francisco argumentou que a mudança, projetada para trazer unidade à Igreja e seus cantos mais tradicionalistas de volta ao rebanho, tornou-se uma causa de divisão e uma arma para os oponentes conservadores do Concílio Vaticano II, as principais reuniões da Igreja na década de 1960 que deram início a muitas medidas modernizadoras.

Francisco citou essas medidas ao explicar sua nova lei. Muitos analistas veem o pontificado de Francisco como a restauração do envolvimento com o mundo moderno após três décadas de liderança de papas conservadores.

O Papa escreveu em um documento explicando suas motivações para a nova lei que duvidar do concílio é “duvidar do próprio Espírito Santo que guia a Igreja”, e associar apenas o antigo rito com o que os tradicionalistas muitas vezes chamam de “Igreja verdadeira” levou apenas à divisão.

Francisco argumentou que esses tradicionalistas basicamente se aproveitaram da bondade de seus predecessores. A missa tridentina do século 16 foi substituída após o Concílio Vaticano II por uma nova versão padrão aprovada em 1970. No entanto, alguns tradicionalistas insistiram em celebrá-la e rejeitaram a nova versão. O Globo / New York Times