Pandemia e sofrimento social

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Por Roberio Sulz*

Junto-me aos que se indignam com o despreparo e desaparelhamento estatal aqui e alhures para enfrentar essa pandemia causada pelo corona vírus. Reflito com eles e ponho-me a pensar como se desperdiçaram esforços e recursos com inutilidades e venenos, negligenciando o que mais interessa ao ser humano: a vida.

Não dá para saber qual pandemia é mais nociva à vida. Se essa que está a nos aterrorizar levando à morte dezenas de milhares e, quiçá, milhões de pessoas, ou a que glorifica e endeusa o vírus-capital, o vírus-moeda e os contaminantes papéis, espirros e perdigotos das bolsas de valores. Mais que modernas máscaras serão necessárias para nos livrar dessa pandemia econômica.

Sem medo de errar, considero a pandemia do capital muitas vezes pior porque é seletiva. Atinge os mais sofridos e induz ao terrível entendimento de que é justa a exploração de uns pelos outros, ou seja, de que constitui obrigação dos pobres trabalharem para sustentar os (desculpem-me) vagabundos que se apropriam do esforço alheio para curtirem nababescamente e ostentarem suas delícias materiais, e orgias panserviçais da vida mundana em seus palacetes, iates, jatinhos etc.

A pandemia do capital evoluiu no mundo causando menos injustiça até certo ponto. Mas foi na revolução industrial que se fez prevalecer o liberalismo comandado pelos que forjavam e detinham o poder de governo (de mando). Ao longo do tempo o que se viu foi a redução de poder da massa trabalhadora nas hostes governamentais. A diferença entre mandantes e mandados agigantou-se com o tempo, contando com a conivente parceria da mídia influenciadora, espertamente chamada a fazer parte do seleto grupo dos poderosos. Essa injusta situação terminou por exibir o terrível quadro social de elevada concentração de renda e restolhar milhões de trabalhadores vivendo em situação miserável. No Brasil, apenas um por cento de sua população concentra a propriedade de mais da metade da riqueza nacional, isto é, um por cento de mandantes, noventa e nove por cento de mandados, que se sentem até afortunados quando acham um emprego para lhes assegurar o pão de cada dia.

A mídia, especialmente a televisiva, aliada e a serviço do poder cuida de mascarar essa injusta situação de desigualdade doutrinando e convencendo os incautos analfabetos políticos e apolíticos com dramaturgia colorida e atores bonitos, documentários e noticiários tendenciosos. São tão bem elaborados os instrumentos midiáticos de doutrinação que são capazes de acobertar injustas decisões judiciais, descabidas eleições de representações políticas, apropriação pessoal de bens e dinheiro público e até de assassinatos e atos de exterminação de gente considerada sucata ou estorvo a seus propósitos. Na outra mão, enaltecem as orgias, a astúcia e a ostentação de poder, valorizando vaidades, vigor sexual, poder de mando e até de eliminação de desafetos e estorvos de maior custo.  Enfim, justificam e certificam como corretas as diferenças de classes, a discriminação e a exclusão social e o direito de subjugar pessoas, explorando delas mão-de-obra à paga vil.

As previsões da ONU admitem que o contingente de famélicos no mundo deve chegar 265 milhões de pessoas. Dezenas de milhões morrerão de fome, enquanto o que se perde por excessiva escolha ou desperdício injustificado é suficiente para alimentar toda essa gente. E porque não se faz distribuição equânime desse alimento? A resposta é simples: o alimento tem sua representação em moeda e papéis que são comercializados nas bolsas de valores. Depende de artimanhas para ganha valor que nunca chega ao produtor ou ao trabalhador. Muitos alimentos são descartados por perda de valor, devido a prazo de validade, perecimento, redução de seu valor comercial etc.

É por aí que se pode dizer que o vírus-capital e a moeda-vírus matam milhões de pessoas por anos em taxa muito mais grave que a atual pandemia.

A diferença positiva (se é que sobre algo positivo nessa pandemia) é que o Corona vírus não costuma perdoar o vivente por sua elevada classe social, como ocorre com o economia-vírus. Vai de Johny a Maria. Talvez, por essa indiscriminada forma de atuar leve muita gente a rever seus conceitos de direito de exploração laboral, de reduzir o mercado de dinheiro a seu justo limite e direcionar a aplicação de capital para a real produção de bens que posam ser apropriados pelo povo para mitigar a fome, a doença e, sobretudo a ignorância, a capacidade de pensar, esta última imposta pela mídia corrupta e venal.

Roguemos pelo fim dessa pandemia, esperando de seu fim resultar, pelo menos, melhor valorização cidadã do indivíduo, menor concentração de renda e, enfim, melhor e mais equânime qualidade de vida.

*Roberio Sulz é biólogo, biomédico e professor com licenciatura plena em Ciências biológicas (UnB), MSc. (University of Wisconsin, USA). Membro Correspondente da ALAS –  Academia de Letras e Artes do Salvador/BA.  [email protected]