Por Henrique Matthiesen*
Na mitologia grega, os Titãs eram seres primordiais, dotados de força e visão capazes de moldar o próprio mundo. No Brasil do final do século XX, a história reuniu três homens à altura dessa lenda: Leonel Brizola, Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer. Vindos de terras e trajetórias distintas, traziam a mesma centelha — o inconformismo diante das injustiças e a ousadia de sonhar um país mais justo. Como titãs modernos, uniram política, pedagogia e arquitetura para criar uma revolução silenciosa, mas profunda, na educação brasileira: os Centros Integrados de Educação Pública, os lendários CIEPs.
Filho do solo bravo dos Pampas, Brizola fez da escola a sua maior trincheira. No Rio Grande do Sul, construiu milhares de salas de aula; no Rio de Janeiro, percebeu que era hora de romper o modelo fragmentado e excludente. Chamou para si dois aliados à altura do desafio: Niemeyer, o arquiteto das curvas que emocionam, e Darcy Ribeiro, o antropólogo das utopias concretas. Unidos, transformaram em realidade a visão trabalhista e emancipadora de uma escola universal, gratuita, obrigatória, laica, integral e de qualidade e libertaria — um projeto inspirado na filosofia de Anísio Teixeira e na ousadia de quem sabe que desenvolvimento sem educação é privilégio para poucos.
Niemeyer moldou o concreto dos CIEPs como quem esculpe um poema, criando espaços belos, funcionais e democráticos. Darcy desenhou o projeto pedagógico como um semeador de futuros: construtivista, comunitário, inclusivo, cidadão e emancipador. Brizola, com fibra e clareza, garantiu a base política e o compromisso social, assegurando que cada criança encontrasse ali não apenas ensino, mas cuidado, alimentação, saúde, arte e esportes. Era a escola como centro de vida — de corpo, intelecto e alma.
Inspirados no modelo da Escola Parque de Anísio Teixeira, os CIEPs tornaram-se polos comunitários, onde famílias participavam ativamente, e onde o aluno não era um receptor passivo, mas protagonista — até mesmo como agente cultural, levando arte e identidade para além dos muros. O programa do aluno residente mostrava o compromisso radical com o princípio de que nenhuma criança seria deixada para trás, oferecendo moradia, segurança e afeto a quem mais precisava.
Os CIEPs foram mais que prédios; foram o rompimento com a lógica elitista e excludente que marcou séculos de atraso educacional. As elites, herdeiras de uma mentalidade escravocrata e avessas à emancipação popular, reagiram com sarcasmo e resistência. Mas Brizola, Darcy e Niemeyer sabiam que a verdadeira ordem social só é legítima quando construída sobre igualdade e justiça — e que essa transformação começa na escola.
Como todo projeto revolucionário, os CIEPs deixaram marcas que ultrapassam gerações. Foram a prova de que a educação pública pode ser, ao mesmo tempo, instrumento de emancipação individual e alicerce de uma democracia sólida. No encontro desses três titãs, o Brasil vislumbrou a possibilidade de um futuro diferente: um país onde a criança é o centro, a comunidade é parceira e a escola é, acima de tudo, um ato de amor à pátria e ao povo.
*Henrique Matthiesen é Formado em Direito e Pós-Graduado em Sociologia.